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Nome incontornável da televisão brasileira, Aguinaldo Silva está de volta, três anos depois de ter sido demitido da TV Globo. Aos 80 anos, o autor, que vive em Portugal, prepara um livro de memórias, ainda sem título, e o relançamento de um romance de época sobre dois marinheiros gays que acabam condenados à morte.
Silva, que diz ter corrido da polícia quando ser gay levava à prisão, comenta a polêmica em torno de casais homoafetivos nas telas, um dos marcos do ano, ante o veto da Globo a um beijo entre duas mulheres em “Vai na Fé”, e a crise que se abate sobre as novelas, com uma produção de baixa audiência e escorada em remakes.
Discípulo de Dias Gomes, Silva, que escreveu alegorias ácidas capazes de espelhar a distopia política brasileira desde a formação do país, discute ainda a nova versão de “Vale Tudo”. O folhetim, que ele escreveu com Gilberto Braga, não seria aceito, por causa de Odete Roitman, ele diz.
Como têm sido seus últimos anos após a saída da Globo? Foi complicado, porque sempre tive um trabalho em vista, mas me adaptei. Escrevi sinopses, principalmente de séries, que estão com as plataformas de streaming. Também escrevi minhas memórias, que sairão no próximo ano pela editora Travessia, e vou relançar um livro de 1978, chamado “No País das Sombras”. É uma história que se passa em 1604, em Olinda, sobre dois marinheiros portugueses que se apaixonam e acabam condenados à morte.
O público está menos conservador ou ainda vivemos no país das sombras? Pessoas preconceituosas não são mais a maioria. Houve uma evolução, independente de qualquer questão política. Lendo o noticiário, vejo um avanço grande em matéria de costumes.
Por outro lado, neste ano a Globo vetou beijos gays. Não sei quais são as políticas da Globo hoje, mas tenho visto personagens gays fortes.
O senhor também foi podado, em ‘Senhora do Destino’, por um selinho de Jenifer e Eleonora. Como se deu o corte? Não sei. Uma vez escrito e entregue, o capítulo pertence à emissora. Eu só via a novela no ar. Mas havia uma disputa, entre alguns autores, para ver quem conseguiria emplacar o primeiro beijo gay. Sabíamos que não era para aquele tempo e que não iria ao ar, mas escrevíamos. Quem ganhou foi o Walcyr Carrasco.
O senhor disse, há alguns anos, que o público não queria gays em novelas. Por outro lado, Crô, um personagem seu, fez muito sucesso. Eu não esperava, por isso o fiz descontraído. A partir dali, mudou a rejeição. Mas uma grande parcela da população não gosta. Novela não é feita só para pessoas esclarecidas. Mas essas pessoas já não reagem tão negativamente.
É curioso que o gay divertido e espalhafatoso seja mais aceito. O senhor não teve medo de reforçar estereótipos? Os gays que são mais pintosos, para usar a palavra maldita, têm o direito de ser assim. É um perigo, compartimentar as coisas e dizer que os gays pintosos são caricatos, e os gays sérios são os que devem ser levados a sério. Precisamos tomar cuidado para não lutar contra o preconceito e sermos preconceituosos.
É curioso ainda que personagens gays que não expressam sua sexualidade, como se fossem assexuais, sejam mais aceitos. A novela é um veículo para 40 milhões de pessoas, então é preciso cuidado. Mesmo não havendo cenas românticas ou na cama, o fato de ter uma relação homoafetiva já é positivo. Talvez leve a uma evolução e numa próxima a coisa vá mais longe.
Como o senhor vê a militância LGBT? Sou de um tempo em que a gente corria da polícia. Era preso e às vezes condenado por uma contravenção chamada “vadiagem”. Era a maneira de eles punirem os gays. Corri muito da polícia, então cada sinal de progresso me enche de orgulho e alegria.
A cultura do cancelamento, de certa forma, contra-ataca o conservadorismo. Para o senhor, que viveu a ditadura militar, existe um paralelo entre o cancelamento e a censura? O cancelamento não faz bem, porque é sempre bom você saber o que o outro pensa, mas no período militar a censura era oficial. A gente não pode comparar, porque o cancelamento é exercido por pessoas. O perigo é quando as instituições assumem esse papel.
O senhor é da época em que o autor escrevia qualquer coisa, e a emissora filmava, sem questionar. A mudança de cenário impactou sua saída da Globo? Houve um grupo de autores muito mal acostumado. Você ia para casa, escrevia a sinopse, e um mês depois ela estava sendo produzida. A gente discutia o elenco, mas nunca o texto. Mas, em 41 anos de Globo, nunca fui chamado para mudar algo. Senti, com “O Sétimo Guardião”, que as coisas mudaram. O realismo mágico, por exemplo, não funciona mais. As pessoas se deixavam levar pelos absurdos. Hoje, são mais críticas.
Para a crítica, há autores mais preocupados em discutir um tema do que contar uma história. O senhor concorda? A novela é um melodrama. Não pode mudar a linguagem, porque deixa de ser melodrama. “Vale Tudo” era um melodrama brutal, e aí sim, no melodrama, você põe seu pensamento do que deveria ser o mundo. Quando você começa a escrever pensando numa novela temática, já começa errado.
‘Vale Tudo’, aliás, deve ser refeita. Odete Roitman não cairia bem hoje. É como o Crô. É de bom tom dizer que são caricaturas. A gente sabe que existem pessoas como Odete, mas ela seria considerada uma aberração da natureza por causa de sua linguagem. Não pelo grande público, mas por pessoas mais esclarecidas. Há um grupo, mais radical, que quer inclusive ordenar a linguagem das pessoas.
As plataformas de streaming estão começando a fazer novelas. Aceitaria um convite para voltar a escrever? Tenho várias sinopses, mas não tenho paciência. Novela é um trabalho braçal, pesado, e para uma pessoa de idade é complicado.
O senhor tem mágoa da Globo? A Globo me deu muita coisa, e eu também dei muita coisa à Globo, então estamos quites. Não há razão para mágoa. Estamos empatados. Fomos felizes para sempre enquanto durou.
Aguinaldo Silva, 80
Um dos nomes mais marcantes da teledramaturgia brasileira e discípulo de Dias Gomes, é autor de novelas como ‘Tieta’, ‘Senhora do Destino’ e ‘Vale Tudo’, que espelharam a distopia da política nacional e levaram o realismo mágico à televisão do país
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Fonte: Uol