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[RESUMO] Oscar, que acontece neste domingo e tem “Oppenheimer” como favorito, reflete a escalada de violência no cenário global, com outros concorrentes de peso que também debatem o conceito de genocídio, como “Zona de Interesse” e “Assassinos da Lua das Flores”.
Enquanto o mundo se vê confrontado por duas guerras que incitam discussões relacionadas à definição de genocídio, algo delicado, como seu recente e ruidoso uso pelo presidente Lula demonstrou, o Oscar, que acontece na noite deste domingo, se vê impregnado pelo tema.
Grande favorito desta edição e provável vencedor da estatueta de melhor filme, “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, pode não enfrentar o assunto de maneira frontal. No entanto, ao acompanhar a criação da bomba atômica que aniquilaria entre 110 mil e 210 mil pessoas em Hiroshima e Nagasaki, acaba por ser um retrato da gestação de um genocídio.
Não que o termo também não cause uma grande discussão quando aplicado ao bombardeio dos Estados Unidos sobre o Japão no fim da Segunda Guerra Mundial. Há quem o defenda como mero ato de guerra —até porque, como vitoriosos do conflito, os americanos controlaram a narrativa—, mas muitos estudiosos o enquadram como a ONU, a Organização das Nações Unidas —um genocídio.
Assim, a provável vitória de “Oppenheimer” no Oscar pode ser indício de que, para além de seus méritos cinematográficos, os votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood queiram celebrar a ponte que o diretor Christopher Nolan construiu com o momento de escalada de violência a nível global.
“Por mais que o Oscar tenha tratado desses temas no passado, neste ano há um diferencial. Os filmes não encerram a discussão, apresentando um herói e um vilão incontestáveis. Eles despertam um debate. Não terminam em si mesmos”, diz Yan Carvalho, cientista social e um dos coordenadores do CineGRI, projeto que debate cinema e geopolítica na USP, a Universidade de São Paulo.
“O Oscar deste ano mostra que Hollywood não teve como escapar dessa realidade contemporânea. Não foi uma simples escolha. Foi algo incorporado à safra de filmes, porque a realidade da invasão da Ucrânia, do tratamento dado aos palestinos, do terrorismo do Hamas, fala muito alto”, afirma Rafael Duarte Villa, professor de ciência política e de relações internacionais da USP.
Para além da pompa e circunstância que embala vestidos de grife e os 24 quilates de ouro de cada estatueta dourada, o Oscar gosta de se engajar. As fitinhas com as cores da Ucrânia usadas no tapete vermelho há dois anos por gente como Jamie Lee Curtis não escondem que as celebridades querem mostrar que são mais do que sorrisos amarelos.
Neste domingo, a partir das 20h do horário de Brasília, quando a cerimônia começa —e passa a ser transmitida pelo canal TNT e o streaming Max—, é possível que menções ao conflito entre Israel e Palestina sejam tecidas, mesmo que superficialmente.
Além de melhor filme, “Oppenheimer” é forte candidato para levar as estatuetas de direção, ator —para Cillian Murphy—, ator coadjuvante —para Robert Downey Jr.—,roteiro adaptado, fotografia, montagem, som e trilha sonora. Também concorre em atriz coadjuvante, com Emily Blunt, figurino, direção de arte e cabelo e maquiagem, o que totaliza 13 indicações.
Sua consagração ainda representaria a de um cinema mais maduro, verborrágico e de longa duração, que acreditou-se estar sem espaço nas telas de cinema após a pandemia de Covid-19 e a ascensão do streaming.
A crença se provou inválida, em especial por causa dos US$ 957 milhões, ou cerca de R$ 4,8 bilhões, que o longa-metragem de Nolan acumulou, o que o alçou ao posto de terceira maior estreia do ano passado nos cinemas.
Investimentos potentes em franquias, derivados e refilmagens pareciam mostrar o caminho de prosperidade para uma Hollywood em crise criativa. Mas a explosão monetária da biografia do físico Robert Oppenheimer, com três horas de duração e cenas em preto e branco, provou o contrário, mesmo que o campeão de bilheteria do ano passado tenha sido a plasticidade de “Barbie”, dirigido por Greta Gerwig.
Um filme impulsionou o outro, e seu contraste gerou memes e curiosidade. Em mais uma discrepância, agora na temporada de prêmios, “Barbie” parece ter morrido na praia. Se antes era o grande adversário de “Oppenheimer”, no Oscar parece fadado a conquistar apenas o prêmio de canção original, para Billie Eilish, que gravou “What I Was Made For?”.
Passado o frenesi de Barbenheimer, os grandes adversários de “Oppenheimer” se firmaram como “Pobres Criaturas”, outro de tons feministas, mas de uma fantasia colorida mais digerível, e “Zona de Interesse”, este, sim, fazendo coro aos debates sobre genocídio que se infiltraram na maior premiação de Hollywood.
“Zona de Interesse”, que mostra com crueza o dia a dia de uma família responsável por administrar o campo de concentração de Auschwitz, talvez chegasse com mais chances à corrida principal se tivesse mais alguns meses de campanha, mas já tem debaixo do braço o prêmio de filme internacional, para o Reino Unido.
O genocídio do qual o filme trata é o Holocausto, que se relaciona de forma mais evidente com o tempo presente. “Sabe, o que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino, não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula no mês de fevereiro em sua entrevista polêmica na durante uma visita à Etiópia.
“Por mais que o Oscar tenha tratado desses temas no passado, neste ano percebemos uma abordagem diferente, uma mudança de ponto de vista. ‘Zona de Interesse’, ao abandonar a perspectiva do judeu, perturba e nos faz pensar em Israel e Palestina, por exemplo. Em como é morar naquela região e ser vizinho do caos”, diz a historiadora Amanda Escobar.
“Por outro lado, formas de validar Israel sempre estiveram em alta no cinema, porque os Estados Unidos são aliados deles, então é uma narrativa interessante de se construir”, afirma Geovanna Ribeiro, do departamento de geografia da USP e também integrante do CineGRI. Ela lembra que Hollywood foi fundada, em boa parte, por judeus.
Como uma família de comercial de margarina, mas desequilibrados, os protagonistas de “Zona de Interesse” chocaram os espectadores ao mostrar, por meio de sutilezas, a banalidade do mal e a frivolidade com que os nazistas aniquilavam os próprios vizinhos judeus.
Mas meses antes de o filme de Jonathan Glazer despontar como um dos mais celebrados do Oscar —não à toa, a obra acumula cinco indicações—, era um outro genocídio que tentava eclipsar o de “Oppenheimer”.
Quando a corrida começou a se estruturar, Martin Scorsese inscreveu seu “Assassinos da Lua das Flores” como um dos favoritos. Com dez indicações, a obra pode até ter perdido o fôlego, mas deve levar o prêmio de atriz com Lily Gladstone.
Assumindo o massacre promovido por americanos brancos não só no início do século passado, onde a trama está concentrada, mas ao longo de toda a relação entre os povos originários e os novos ocupantes dos Estados Unidos, o Oscar reconheceria, pela primeira vez em 96 edições, uma indígena na categoria.
É também uma forma de mea-culpa, ainda mais numa corrida tão acirrada quanto a que se criou em torno da categoria de melhor atriz neste ano, que ainda pode surpreender como uma vitória para Emma Stone, que protagoniza “Pobres Criaturas”.
“Esses três filmes são muito perturbadores, de um ponto de vista ético. O genocídio percorre os três e nos faz refletir sobre debates contemporâneos. Qual a diferença entre o que aconteceu com os indígenas americanos e o que vemos com os yanomamis, hoje, no Brasil? Qual a diferença entre os nazistas que moram do lado de um campo de concentração e o uso de estádios de futebol para torturar presos na ditadura chilena?”, questiona Rafael Duarte Villa, o professor da USP.
Em documentário, outro título também enfrenta o tema do genocídio, mas não como reflexão acerca de um passado distante, e sim como um retrato ágil de um presente. O longa-metragem “20 Dias em Mariupol” é o favorito da categoria ao registrar o que ucranianos classificam como um massacre de seu povo e de sua cultura por parte da Rússia de Vladimir Putin, em sua invasão bélica que parece longe de um fim.
E há outros títulos menores que, da sua própria forma, promovem uma reflexão sobre um mundo mais ou menos bélico, mais ou menos intolerante, mais ou menos intimidador.
O curta animado “War Is Over!” retoma o cântico pacifista da música natalina “Happy Xmas”, feita por John Lennon e Yoko Ono, por exemplo. A direção é assinada pelo filho do casal, Sean Lennon.
E seriam a exclusão e o assassinato sistemáticos de negros nos Estados Unidos, primeiro com a escravidão e depois com a segregação dos anos 1960, retratada em “Rustin”, que briga por melhor ator com Colman Domingo, também uma forma de genocídio, como alguns grupos antirracistas americanos defendem?
“A Cor Púrpura” também atravessa esse conceito, em especial com sua indicada a atriz coadjuvante, Danielle Brooks, presa, calada e torturada por autoridades brancas na refilmagem musical do clássico de Steven Spielberg, que, antes, já havia sido clássico nas mãos de Alice Walker.
Até a Pixar, numa leitura mais aberta, se debruçou sobre o tema da intolerância e da aversão ao diferente com o indicado em animação “Elementos”, em que água, fogo, terra e ar brigam e planejam secretamente a doutrinação e a destruição uns dos outros, ainda que com toda a carga lúdica que é natural a qualquer filme do estúdio.
“Premiar filmes como esses apresenta um ponto de partida. Se antes o cinema negava certos genocídios, como na relação dos filmes de faroeste com os indígenas, agora há uma discussão sendo aberta, uma tendência em assumir a culpa e mostrar personagens atormentados por isso”, diz Yan Carvalho, o cientista social.
Na guerra do Oscar, as respostas são mais claras. Dificilmente alguém vai arrancar a estatueta principal de “Oppenheimer”, e seus adversários na categoria principal, que ainda incluem “Anatomia de uma Queda”, “Ficção Americana”, “Os Rejeitados”, “Vidas Passadas” e “Maestro”, estão fadados a ficar com os restos. É uma batalha feroz, que opõe fãs e haters com o mesmo afinco que o pior dos conflitos que se abatem sobre o mundo.
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Fonte: Uol