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Sofia Coppola já não era uma diretora desconhecida quando exibiu pela primeira vez um filme no Festival de Veneza, em 2003. Mas ainda era “a filha de Francis Ford Coppola” ou mesmo “a mulher de Spike Jonze”, em vez da cineasta que estava no Lido para apresentar um longa chamado “Encontros e Desencontros”. O filme faria tanto sucesso que, no ano seguinte, renderia a Coppola o Oscar de melhor roteiro original.
“Perguntavam muito se meu pai ou meu marido tinham contribuído para meu trabalho. Mas isso mudou bastante desde então”, diz a diretora, novamente em Veneza duas décadas depois de sua estreia. O retorno ao festival foi para promover “Priscilla”, longa que já teve estreia restrita nos cinemas brasileiros no fim de dezembro e que chega nesta quinta-feira (4) à plataforma de streaming Mubi.
Desde então, Coppola ganhou um Leão de Ouro também em Veneza, em 2010, por “Um Lugar Qualquer”, e se fixou como uma das cineastas mais prestigiadas do planeta. Mas ela não gosta de pensar que é uma peça importante para o surgimento de novas diretoras.
Ela nem sequer fala muito sobre o empoderamento feminino no cinema. Em Veneza —por timidez, enfado ou a sua conhecida falta de traquejo midiático—, a diretora deu respostas curtas ou tediosas sobre o tema. Diante da insistência da reportagem, disparou: “Eu vejo que você está tentando pegar uma boa ‘aspa’ minha”.
Era melhor, então, mudar o assunto e se ater ao tema que havia feito Coppola estar ali —”Priscilla”. A cinebiografia de Priscilla Presley mostra a jovem de meros 14 anos que se apaixonou por um Elvis Presley de 24, já muito famoso, e que conquistou o coração do Rei do Rock.
O casal viveria junto por dez anos, em um romance atribulado, marcado pelo uso de medicamentos cada vez mais pesados e um comportamento dominador da parte de Elvis, além de uma submissão quase completa ao que o parceiro demandava.
Por ele, a garota mudou de cidade, de cabelos, de estilo de vida. Fez tudo o que lhe era exigido, mas o casamento parecia fadado ao fracasso. A separação, em 1973, além de servir como o início de uma nova fase de mulher emancipada para Priscilla, só confirmou a decadência física e profissional do ex-marido, que morreria quatro anos mais tarde.
“‘É uma história interessante, porque foi um casal tão mítico, mas não sabemos nada sobre ela. Eu não fazia ideia, por exemplo, de que ela cursava o ensino médio enquanto morava em Graceland, e me pergunto como deve ter sido, já que o ensino médio é desafiador demais mesmo em situações normais. E ter que ficar a noite inteira acordada com Elvis, para suprir as expectativas dele. Não foi pouca coisa, o que ela teve de enfrentar”, diz Coppola, mais tagarela quando o tema é seu novo filme.
A trama se baseia sobretudo na autobiografia “Elvis and Me”, que Priscilla lançou em 1985, mas recebeu constantes atualizações em conversas que a diretora teve com a biografada ao longo de toda a concepção do filme —embora, segundo a cineasta, sem ela nunca se intrometer demais ou ir ao set de filmagem.
“O filme vem todo do livro dela, mas meu trabalho, enquanto diretora, é fazer essa história ser contada passando pelo meu ponto de vista também”, diz Coppola. “Ela foi muito receptiva e me estimulou, sempre respondendo às dúvidas. Conversávamos muito, às vezes só para obter detalhes muito pequenos sobre a vida dela que me ajudassem a criar a história e torná-la algo com o que você pode se conectar.”
Coppola sabe que consegue trabalhar melhor com personagens com os quais se identifica em alguma medida —algo que tem sido uma constante em sua carreira. Desta vez, diz que tentou se pôr ela própria na pele de uma adolescente com uma queda por um astro do rock —o que não deve ter sido tão difícil, já que, na puberdade, Coppola teve uma paixonite por Joe Strummer, vocalista e guitarrista do The Clash.
“Mas também, enquanto mãe, consigo me identificar com os pais dela. O que fazer naquela situação? Foi bem interessante poder ver tudo aquilo pelo prisma de outros personagens. E tentei não julgar muito ninguém e exercitar empatia com os esforços pelos quais todos precisaram passar”, diz.
Em Veneza, o longa rendeu o prêmio de melhor atriz para Cailee Spaeny, que tem 26 anos, mas consegue se passar muito bem como uma pré-adolescente nas primeiras cenas. Coppola fazia questão que Priscilla fosse interpretada por uma só atriz, dos 14 aos 29 anos.
Encontrar a intérprete ideal foi um desafio. Quando a direção de elenco sugeriu a desconhecida Spaeny, Coppola recorreu à atriz e amiga Kirsten Dunst, que já tinha trabalhado com a jovem, para pedir referências. Recebeu só elogios sobre a garota, e quando a viu pessoalmente, com “essa cara de bebê, que permite que ela pareça ter 15 anos”, sabia que tinha finalmente encontrado sua Priscilla.
Para o papel de Elvis, a diretora optou por um ator mais badalado —o bonitão Jacob Elordi, da série “Euphoria” e de outro filme de destaque da temporada, “Saltburn”, da diretora Emerald Fennell. Havia, no entanto, um empecilho físico que talvez atrapalhasse a interação entre Spaeny e Elordi. O rapaz tem um tipo físico grandalhão, enquanto ela tem uma estatura mais baixa.
“Fizemos muitos truques. Ela já ganhava altura com os sapatos, mas colocamos caixas enormes sob os pés dela em todas as cenas”, diz a diretora. “Jacob é excepcionalmente alto, então estávamos sempre tentando colocar caixas, para não ficar tão extrema a diferença de altura. Mas espero que [essa diferença] funcione também como algo metafórico.”
O filme tem sido considerado por muitos críticos como uma resposta feminina a “Elvis”, do australiano Baz Luhrmann, lançado um ano antes de “Priscilla”, que retratava o casal centrado quase que por completo na figura do astro do rock.
“Quando estava trabalhando no meu, fiquei sabendo que Baz estava fazendo o filme dele, e pensei que a minha seria uma história muito diferente. É uma espécie de contrapartida”, diz Coppola.
“É bom que o filme dele tenha sido lançado antes e as pessoas tenham pensando muito no Elvis quando assistiram. Agora, vão poder ver o outro lado, o dela, e ver como uma peça complementar”, diz a cineasta, em espírito de apaziguamento das más línguas que dizem que teria havido um clima de animosidade entre os dois cineastas enquanto cada um rodava seu longa.
“Não senti que [o filme dele] prejudicasse em nada o que estávamos fazendo. Eles filmaram o deles na Austrália, e nós estávamos em Toronto. Tínhamos um orçamento muito baixo. E eu me pegava pensando: será que eles não têm nada que depois possa servir para a gente usar, não?”, brinca a diretora.
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Fonte: Uol