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Em 2020, os Barões da Pisadinha foram de dupla baiana desconhecida nacionalmente a músicos mais ouvidos do país ao apostar num tipo de forró sintético, com base no teclado, chamado de pisadinha. Na mesma época, no interior de Sergipe, o cantor Nadson o Ferinha e seu produtor musical, Coruja, preparavam um movimento estético semelhante, mas a partir de outras bases.
“Quem vive aqui na região ouviu um som parecido com esse que a gente faz hoje com Pablo e os Asas Livres”, diz Coruja, citando o Rei da Sofrência e sua antiga banda, fundadores do arrocha no fim dos anos 1990. “Ultimamente, isso tinha sumido. Resolvemos fazer um som semelhante, só que com novas abordagens, elementos mais modernos e que se encaixassem no paredão.”
O resultado dessas experimentações está nos dois volumes do álbum “Seresta pra Paredão”, seguidos por “Serestão do Ferinha”, que fizeram o cantor se tornar uma das principais revelações da música brasileira no ano passado. Mais que conquistas pessoais, como vencer um Prêmio Multishow, ele se tornou o principal responsável por repaginar o arrocha —e a partir da seresta.
No Sua Música, maior streaming brasileiro de música, e o mais consumido no Nordeste, o arrocha se tornou o segundo gênero mais escutado. É uma ascensão puxada por Nadson o Ferinha, que emplacou o álbum “Seresta pra Paredão 3.0” entre os dez mais ouvidos da história da plataforma. E o único disco de arrocha, estilo que teve um crescimento de 50% nas buscas e reproduções em 2023, da lista.
Mas, apesar de ter despontado apenas no ano passado, não é de hoje que o nome de Nadson o Ferinha circula no meio da música. Nascido em Tobias Barreto, cidade no sul de Sergipe, já perto da Bahia, com cerca de 50 mil habitantes, ele começou a cantar no banheiro com 11 anos e foi notado pelo tio tecladista, Elinaldo.
O nome foi dado pelo parente quando a dupla entrou em estúdio pela primeira vez. “Ele falou, ‘vou colocar ‘Ferinha’”, diz o cantor, hoje com 21 anos. “Acho que é por eu ter começado muito novo a cantar sofrência, arrocha, essas coisas. E ficou assim até hoje.”
Aos 12, já conhecido pelos vídeos nas redes sociais, participou de um encontro ao vivo na televisão com seu maior ídolo —Pablo, que vivia seu auge midiático. Nadson foi uma das atrações do “Programa do Gugu”, na Record, onde ganhou certa projeção.
Mas na última década, o Ferinha manteve uma carreira modesta. Fazia uns cinco shows por mês, a maioria no interior de Sergipe e da Bahia, e conciliava a agenda com a escola. Em 2021, acumulou milhões de visualizações com “Na Ponta do Pé”, versão do funk do MC paulista Livinho, em clipe com a influencer Ruivinha de Marte. Desde que estourou no ano passado, já com o novo som para paredões, faz mais de 40 apresentações por mês.
A mudança na sonoridade do Ferinha passou por seu corpo. Em 2015, quando cantou com Pablo, tinha o timbre fino de criança, alinhado com o canto agudo e intenso que é marca do gênero e de seu principal representante. “Criança, eu alcançava o tom do homem”, ele diz. “Agora, a voz engrossou, o tom mudou. Dá mais não.”
Foi uma ideia de Coruja, o produtor. “Quando fiz 16 para 17 anos, a voz já estava engrossando, estava difícil”, diz o Ferinha. “Ali eu ainda cantava em tons muito altos, e ele sugeriu cantar mais abaixo para ficar mais confortável. E acabou ficando legal, a galera abraçou.”
Mas se a voz é um diferencial, o segredo da estética do Ferinha está na seresta e nos paredões. O estilo musical, espécie de pai do arrocha, é onde Coruja foi buscar inspiração para recombinar seus elementos de modo a fazer sentido quando tocados nas estruturas de som muito populares em todo o país —dos bailes funk no Sudeste às aparelhagens do Norte.
Em seu “Dicionário Musical Brasileiro”, Mário de Andrade define a seresta como um tipo de serenata. No livro “História Social da Música Popular Brasileira”, José Ramos Tinhorão trata as canções seresteiras como herdeiras das modinhas, de origem erudita e europeia, mas que se transformaram no Brasil através da população negra e da canção popular, com forte apelo romântico.
Mas independente de sua ascendência, a seresta ao longo do século passado foi agregando elementos de diversas vertentes da música romântica brasileira e, no Maranhão, tornou-se um gênero próprio, muito conectado ao brega e à sonoridade dos teclados.
É desse tipo de seresta que vem a principal inspiração para o tecladista Jailton Barbosa, e Pablo —na época, com 14 anos—, criarem o arrocha nos Asas Livres, em Candeias, no interior da Bahia.
A banda, que existe desde 1986, fazia axé music antes de desistir do ritmo por causa da concorrência pesada e decidir, nas palavras de Barbosa, “pegar pelo coração”. No podcast BahiaCast, ele conta que nos anos 1990 recebeu do pai, caminhoneiro, uma fita K7 com serestas —mas, afirma, não era uma banda tocando, e sim uma programação de teclado.
O Asas Livres estourou com o novo estilo no começo dos anos 2000, na esteira do sucesso da seresta “Morango do Nordeste”, do maranhense Lairton e seus Teclados, de 1999. Mas até chegar na estética do álbum “Asas Livres Voando até Você”, de 2002, que estabeleceu o arrocha como um ritmo de vida própria, Barbosa partiu das bases da seresta de teclados para modificá-la.
Ele diz no BahiaCast que, primeiro, aprendeu a fazer a batida da seresta no teclado. “[Mas] Pensava, ‘com essas batidas, só dá para os coroas dançarem, para lá e para cá’”, afirma. “Usei o mesmo chimbau da seresta e troquei —em vez de quatro batidas, ficaram três. Nisso, inseri uma caixa. Depois, moldei o baixo e cheguei no que eu queria.”
Essas três batidas, marca do arrocha, aliás, ajudaram a batizar o ritmo. O termo era uma maneira de evocar o jeito de dançar com os parceiros mais colados um no outro, e uma perna dentro da outra, seguindo a marcação dada pelos três toques.
Nas últimas duas décadas, o arrocha se expandiu ao ponto de influenciar o sertanejo universitário —especialmente com Gusttavo Lima e, depois, Marília Mendonça— na sofrência das letras e na levada. Também se transformou, com nomes como Pablo e Tierry, ícones do gênero, usando bateria e instrumentos acústicos para tocar o ritmo criado no teclado.
Agora, o Ferinha resgata os timbres de batida dos teclados que marcaram a seresta, e deram origem ao próprio arrocha. Mas é um resgate que mira o futuro —as frequências médias dos paredões, onde se ouvem caixas, timbales, congas, repiques e bacurinhas, por exemplo, com letras que inserem dramas de romances em tempos de redes sociais.
“O que mais caracteriza essa sonoridade do Nadson é que as notas dos timbales são bem quadradas, e tem a clave bem notável”, diz Coruja. “É um estilo simplificado ao extremo. Acrescentei também mais umas coisinhas para dar aquela cara do paredão, como os tons de bateria mais processados. Foge do tradicional.”
O violão, que vem da seresta e passa pelo arrocha, segue presente na estética do Ferinha, que faz uma música mais lenta e arrastada em relação à pisadinha de nomes como João Gomes, Zé Vaqueiro e Nattan, outra febre no Nordeste. Dispensa ainda a sanfona do forró e abraça os solos de saxofone.
O que há de comum nesses ritmos é que eles são pensados para o paredão. “O pessoal gosta muito de valorizar o médio —aquele estridente, bonito”, diz Coruja. “Se você conseguir acertar um médio que fique bem no paredão, aquilo vai tocar seja você conhecido ou não. O dono quer ver o som dele render. A cultura é fazer um som voltado ao paredão —passa pela mixagem, masterização. Para a rádio, temos até que mudar.”
Nessas estruturas de som, no interior da Bahia, diz Coruja, não se toca música só para dançar. “A galera sofre bastante —e bebe”, ele diz. “Quem toma conta de paredão sempre tem repertório diverso. Aí bota música pra dancinha, música pra beber. Música de relacionamento não sai de moda nunca. Sempre tem alguém vivendo essas histórias.”
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Fonte: Uol