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Aos três anos de idade, a criança Eva Paddock, hoje com 88, embarcou como refugiada numa viagem de trem da antiga Tchecoslováquia rumo à Inglaterra em tempos de Segunda Guerra Mundial.
O ano era 1939. Da viagem, ela apenas se lembra de ter sofrido com o enjoo no barco que a deixaria na costa britânica. “Eu não entendia nada do que estava acontecendo”, ela diz à Folha.
O mesmo ocorreu com sua meia-irmã Milena Grenfell-Baines, 94, que, do país natal, apenas levou o seu cordão de identificação para viagem e um álbum de memórias dado por seu avô. “Quando nós chegamos no barco, na Holanda, eles nos ofereceram chá com leite. Para os britânicos, isso era absolutamente normal. Para nós, era nojento.”
Eva e Milena foram apenas duas das 669 crianças judias que conseguiram fugir da ocupação nazista graças ao esforço do humanitário britânico Nicholas Winton. Com a ajuda de parceiros, ele conseguiu enfrentar longos processos burocráticos a fim de transportar e abrigar, de forma legal, crianças que possivelmente iriam para os campos de concentração.
Esse feito é o ponto de partida do filme “Uma Vida: A História de Nicholas Winton”, longa dirigido por James Hawes que está em cartaz nos cinemas brasileiros. Com as presenças do veterano Anthony Hopkins e do músico e ator Johnny Flynn, que interpretam duas fases diferentes da vida de Winton, o longa apresenta o horror de uma guerra sob a ótica daqueles que fizeram de tudo para salvar os seus filhos e dos que estavam dispostos, à sua maneira, a ajudar.
Longe das trincheiras que geralmente ilustram os filmes de guerra, “Uma Vida” concentra sua história na silenciosa resistência de um grupo de pessoas que resolveu agir em tempos de urgência. Tão silenciosa que a conquista de Winton permaneceu desconhecida do público até 1988, quando, após 50 anos, ele se reuniu com dezenas das pessoas que havia salvado no programa de televisão da BBC “That’s Life!”. A partir de então, passou a ser conhecido como o “Schindler britânico” —em referência ao alemão que salvou 1200 judeus da morte durante o Holocausto.
Na obra, enquanto Flynn dá vida a um Winton obstinado a angariar fundos, providenciar documentos para as crianças, encontrar famílias adotivas e garantir os direitos concernentes à suas condições enquanto refugiadas; Hopkins interpreta um homem idoso, vivaz, mas ressabiado, que gostaria de ter conseguido salvar mais pessoas. A montagem do filme intercala esses dois momentos, criando um paralelo entre os dois encontros do britânico com “as suas crianças”, como elas foram posteriormente chamadas —na chegada dos trens a Londres e no reencontro proporcionado pelo programa televisivo.
Foi dos Estados Unidos, onde mora, que Eva Paddock assistiu à entrevista do “That’s Life!”. “Muitos de nós, que passamos a ser ‘as crianças de Winton’, queríamos encontrá-lo em pessoa, para agradecer”, ela afirma. Diante do pedido para uma conversa, Winton e sua esposa teriam respondido. “Ninguém vem apenas para uma xícara de chá. Vocês vão passar o dia conosco.”
“Isso demonstra o quão sensíveis eram Nicholas e Grete [Winton] às nossas necessidades, abertos para dar a essa história uma conclusão”, diz.
Milena Grenfell-Baines, que também se encontrou com Winton na Inglaterra, faz coro às palavras de Paddock. “Nós fomos em ótimas festas de aniversário. Ele tinha um jardim enorme e era uma pessoa muito sociável”, ela se lembra com um sorriso no rosto, sem deixar de mencionar que o espírito humanitário do britânico não havia desaparecido, visto as ações de caridade que ele continuou realizando até a sua morte, em 2015.
“Para mim, essa é sua mensagem para o mundo: se doar ao outro sem necessariamente esperar algum benefício em troca”, diz Paddock.
Por representar esse espírito, ambas concordam que a estreia do filme vem em bom momento, especialmente num contexto em que guerras e conflitos se avolumam.
Em outubro de 2023, segundo dados da Agência da ONU para Refugiados, a Acnur, cerca de 114 milhões de pessoas viviam em condição de refugiadas, tendo sido obrigadas a se deslocar por efeitos da violência e da violação de direitos humanos. Entre as causas do aumento dessa cifra, o documento destaca a Guerra da Ucrânia e conflitos em países como Sudão, República Democrática do Congo e Afeganistão.
“As pessoas não estão mais tão dispostas a receberem refugiados como elas estiveram em 1939”, diz Paddock. Por isso diz esperar que o filme inspire uma “atitude mais positiva” e faça com que alguns se movam para ajudar as “milhares de crianças e famílias que estão precisando”, em vez de colocar barreiras nos processos de imigração.
“Se não aprendermos a nos comprometer, teremos um futuro muito sombrio”, diz Grenfell-Baines, parafraseando uma das ideias que o próprio Nicholas Winton costumava dizer nas conversas que tiveram.
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Fonte: Uol