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Foi há quase um ano, na madrugada do dia 19 de fevereiro de 2023, que a chuva despencou e fez tremer a terra de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. A lama invadiu tudo. Arrastou casas, carros, árvores. Levou pessoas.
Na época, o repórter Cláudio Oliveira contou neste jornal a história de Wagner de Oliveira, morador da Vila Sahy, um dos bairros mais atingidos pelo temporal.
“Quando me dei conta, nossa casa estava balançando e minha esposa gritava muito. Foi tudo muito rápido. Eu consegui pegar meu filho de oito meses e entregar para a minha mãe, mas veio muita água e lama”, contou ele na época, após a morte do filho.
Foi também no ano passado que a editora Aletria lançou “Sebastião”, livro feito no calor dos acontecimentos e que usa a literatura infantil e a ótica de uma criança para recontar a tragédia, que matou 65 pessoas na região e afetou dezenas de famílias como a de Oliveira.
“Em segundos, uma casa que está ali some. Sobre ela, toneladas de rochas, troncos, galhos e lama, muita lama, um mar de lama. A casa, que é feita para abrigar, escorrega junto com a avalanche e vira nada”, diz o texto, escrito a quatro mãos por Claudio Fragata e Janaína de Figueiredo, com ilustrações de Rodrigo Mafra.
As imagens de tons terrosos e o tom delicado do texto são precisos ao jogar luz sobre a raiz do problema —afinal, a tragédia de São Sebastião não é só uma catástrofe ambiental, mas é acima de tudo um desastre social.
É num abrigo montado para atingidos pelo deslizamento que o menino narrador reconta a história de sua família. Estão lá o garoto, o avô, o pai, a mãe, os irmãos e o cachorro Biró. Aos poucos, vamos conhecendo essas personagens e entendendo o que as levou para o morro.
O avô era pescador, assim como seus antepassados caiçaras. O pai é jardineiro. A mãe, diarista. Ambos trabalham nas casas que ficam perto do mar, do outro lado da rodovia, afastadas das zonas de risco, onde estão as mansões ocupadas só aos fins de semana e verões por moradores de veraneio e temporada.
O garoto, porém, diz que nem sempre foi assim. Antes, eram os pescadores que viviam colados na praia. “Cada um tinha seu barco, que ficava ancorado na areia da praia. Dormiam ouvindo o marulho das ondas.” Mas o avô precisou vender a casa da família, que deu lugar uma “mansão de muitos quartos e uma piscina de água tão azul que até doem os olhos”.
E, então, eles foram empurrados para o outro lado da estrada, para os morros da serra do Mar, onde era mais barato e possível viver, justamente nas encostas que deslizaram anos depois com as chuvas.
É nesse equilíbrio fino que “Sebastião” se sustenta, embora às vezes escorregue e acabe optando por um didatismo excessivo, com explicações sociológicas mastigadinhas e partes em que a ficção, a literatura e a narrativa deixam de ser protagonistas para se tornarem acessórias.
Mas são detalhes que não atrapalham o desenrolar da trama. A obra, apesar de ter sido feita quase que com a urgência do jornalismo, consegue preservar o tom poético e fugir de leituras mais superficiais.
Não vou contar o final, mas a metáfora que o menino narrador usa para comparar a sua vida com a dos caramujos do mar é comovente —e uma ótima maneira de usar a arte como forma de preservação da memória e, quem sabe, como alerta para que algo parecido não volte a ocorrer.
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Fonte: Uol