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Minha profissão é escrever. Escrevi centenas de anúncios e comerciais de TV durante os 25 em que trabalhei em agências de propaganda. Inventei de ser roteirista e escrevi para séries de TV, programas de variedades e alguns longas-metragens.
Fui o ghost writer da autobiografia de uma amiga. Desde 2011, tenho esta coluna no F5. E mantenho um blog pessoal desde 2007, onde escrevo todos os dias, chova ou faça sol.
No meio de tantos textos para mídias diferentes, ainda me faltava um gênero: o teatro. Sempre sonhei em escrever para o palco, mas a vida me levava por outros caminhos. Agora não falta mais. Na quinta-feira passada (18), estreou no Rio de Janeiro o monólogo “Quem Tem Medo de Olga del Volga?”, inspirado na vida e obra do artista argentino Patricio Bisso.
Minha primeira peça, embora seja por demais pretensioso eu dizer que ela é minha. Para começo de conversa, o projeto não é meu. Ele surgiu da cabeça do ator Gustavo Klein, que interpretou Olga del Volga, a mais famosa personagem de Patrício, no filme “Hebe – a Estrela do Brasil”. O produtor teatral Marcelo Aouila, que eu conheço há anos, encampou a ideia, criou o título do espetáculo e só então me chamou.
Expliquei para o Marcelo que eu nunca tinha escrito para o teatro, e que um monólogo me parecia algo extremamente desafiador. Ele não deu a menor bola. Respondeu que eu tinha o humor necessário para uma empreitada dessas.
Além disso, eu tinha um “plus a mais”: conheci Patricio Bisso (1957-2019) pessoalmente, através de amigos em comum, e fui a vários de seus shows. Tanto Gustavo quanto Marcelo, bem mais jovens do que eu, não têm idade para terem visto Patricio em cena.
Levei um ano para terminar o texto, entre idas e vindas. Enquanto isto, Marcelo inscreveu o projeto num edital, e fomos aprovados. No final do ano passado, o produtor me avisou: “Vamos estrear no começo de fevereiro”.
“Vocês estão loucos”, disse eu. “Não há tempo hábil para levantar um espetáculo em tão pouco tempo, por mais simples que ele seja”. Para variar, eu estava enganado. Os ensaios levaram apenas 20 dias, e a peça entrou em cartaz em janeiro.
Vim para o Rio assistir à estreia, um pouco apreensivo. E se o texto não funcionar? Mas a equipe que Marcelo juntou me tranquilizava. O diretor Gilberto Gawronski é um dos mais respeitados do teatro carioca. Os figurinos são de Claudio Tovar, que chegou a trabalhar com Patricio Bisso. E a direção musical ficou a cargo de Wladimir Pinheiro, que substituiu com galhardia a orquestra com que eu sonhava (como se o orçamento desse para tanto).
“Quem Tem Medo de Olga del Volga?” veio à luz num lugar inusitado, porém totalmente apropriado: a Turma OK, a boate gay em funcionamento mais antiga do mundo. Fica no centro da cidade, e tem um ar de cabaré perfeito para a plateia entrar logo no clima.
Ah, a plateia… A primeira noite foi basicamente para convidados. Entre eles, a atriz Maria Clara Spinelli e o cantor Kiko Zambianchi. Claro que ninguém iria vaiar, mas no final eu achei que o público havia realmente gostado.
Eu também gostei. E percebi que o texto original pode até ser meu, mas a peça em si é uma criação coletiva. O diretor Gilberto Gawronski deu soluções que jamais me ocorreriam. Wladimir Pinheiro recheou o espetáculo de citações musicais. E a drag queen Regine de Mônaco faz uma aparição surpresa, que não estava no texto, mas que ficou absolutamente deliciosa.
Mas o trabalho mais árduo de todos é o de Gustavo Klein, que teve apenas três semanas para decorar tudo –inclusive as letras elaboradíssimas que Patricio escrevia, num português perfeito, para as músicas de seus shows.
Gustavo faz três personagens: ele mesmo, Patricio Bisso e, claro, Olga del Volga. Canta e dança muito bem, um talento que faltou ao multitalentoso argentino. E tem a plateia na palma da mão, durante uma hora de espetáculo.
Fui ver novamente no dia seguinte, e achei ainda melhor. Todo mundo mais relaxado, a peça fluindo com agilidade. Não é para me gabar não, mas eu gostei como se não tivesse nada a ver com ela.
E assim, aos 63 anos, perdi mais uma virgindade. Agora sou autor teatral. A sensação é estranhíssima, mas também empolgante. Não quero mais parar: já tenho a ideia para uma próxima peça, e uma amiga diretora me pediu para adaptar um texto francês que ela quer montar.
Que pena que Patricio Bisso não esteja mais aqui. Ele morreu em 2019, quase esquecido, e um dos objetivos de “Quem Tem Medo de Olga del Volga?” é resgatar sua memória.
Por outro lado, que alívio. Patricio era uma pessoa ferina, sem papas na língua. Brigou com muita gente por besteiras, e nunca pedia desculpas por nada. Era muito crítico e perfeccionista. Tenho certeza de que ele iria odiar.
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Fonte: Uol