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A partir dos anos 1960, o skate surgiu nos Estados Unidos, quase como uma espécie terrestre de surf. Nas décadas seguintes, ele foi se modificando e, no Brasil, encontrou um terreno fértil e uma identidade própria para se proliferar.
Essa é a história contada na exposição Anatomia Skate, que ocupa um andar do Farol Santander, no centro de São Paulo. O espaço é recheado de skates originais de diferentes épocas, acompanhados por fotos, vídeos, revistas, maquetes e reconstruções de quartos que remetem ao lifestyle de quem anda na prancha sobre rodinhas.
“O desafio maior foi colocar em 227 metros quadrados tanto conteúdo. A gente tinha muito medo de não representar todas as vertentes do skate”, diz Cesar Gyrão, que anda de skate desde 1975 e é curador da exposição. “A gente saiu de uma prática incompreendida para o universo olímpico, é uma trajetória muito grande.”
Gyrão conta que teve o trabalho facilitado pelo arquivo da revista Tribo Skate, referência no assunto, que ele fundou em 1991. Os diferentes modelos de skate, provavelmente o principal atrativo da exposição, foram obtidos através de colecionadores.
A linha do tempo, que mostra a evolução do esporte, é ilustrada por imagens de fotógrafos como Klaus Mitteldorf, Roberto Price, Fernando Moraes e Júlio Detefon. É ali que fica mais evidente a trajetória do skate no Brasil, cortada por condições sociais e econômicas, envolta em preconceito e luta por validação.
Nos anos 1970, diz Fábio Bolota, skatista desde 1978 e consultor da exposição, o skate ainda era muito atrelado ao surfe. As pranchas eram mais pesadas, a modalidade predominante era o freestyle, em terrenos planos, e era difícil sair do solo.
Em cidades como São Paulo, só havia pistas pagas e ter um skate custava caro, o que relegou o esporte a classes mais altas. “O poder aquisitivo determinava a prática,”, diz Bolota.
Foi nesse cenário que o Brasil se tornou uma referência nas modalidades de descida de ladeira –estas, gratuitas. “Ajudou muito no começo”, diz Bolota. “Quem não tinha dinheiro para andar na pista, ia para a ladeira.”
Nos anos 1970, as ladeiras serviam mais para pegar velocidade e sentir adrenalina, com poucas manobras, mais ligadas ao surfe. Na década seguinte, os brasileiros se destacaram no mundo no segmento downhill slide, em que se fazem manobras mais sofisticadas nas descidas.
Mas, antes disso, o skate viveu seu primeiro revés. Segundo Bolota, a virada para os anos 1980 marcou uma morte da prática. “Virou underground de novo”, ele diz. “Antes, era a primeira moda do skate, então todo mundo andava. Depois veio patins, bambolê, discoteca, e todo mundo mudou para as outras modas.”
As pistas fecharam e, quando o skate ressurgiu nos anos 1980, foi repaginado e cada vez mais distante das praias. Em vez do rock clássico e progressivo da década anterior, era o punk —em especial, o que vinha da Califórnia— quem determinava o lifestyle do skatista.
“Foi quando pegou uma identidade própria”, diz Bolota. “Virou popular, teve uma nova trilha sonora, um novo estilo. Num campeonato de skate dessa época, era o dia inteiro ouvindo punk rock, nacional e internacional, das 9h às 21h.”
Sem pistas e rampas, a modalidade street, em que os esportistas usam elementos da rua para fazer manobras, se consolidou e se transformou na principal no país. Na exposição, as mudanças ficam visíveis nos skates, menores e mais leves, e nos quartos que representam as décadas.
Em São Paulo, o parque do Ibirapuera se tornou reduto do skate, o que desagradou o prefeito Jânio Quadros, que em 1988 proibiu a prática no parque. Foi o momento de maior criminalização do skatista, sempre visto com preconceito, e que nessa época poderia ser detido pela polícia.
“Quando ficou popular, incomodou muita gente”, diz Bolota. “O skate saiu da pista, que era restrita, saiu do freestyle, que era num quadradinho, e começou a andar no parque inteiro —por exemplo, nos bancos. Esse era o desafio e a grande sensação do street, a liberdade de andar de skate em tudo que é lugar.”
Bolota participou da manifestação contra a decisão do prefeito, mas segundo ele aquele foi o maior marketing para o skate, já que a proibição acabou levando a prática para a mídia. Em seguida, contudo, houve outro momento de declive —os anos Collor marcaram o fechamento de marcas e revistas de skate.
Segundo Bolota, o Brasil é o único país do mundo com uma indústria que fabrica tudo relacionado ao skate, o que barateia os custos dos produtos —até na Europa, são usados equipamentos americanos. Com a crise da economia no começo dos anos 1990, acabou o dinheiro das marcas, e o esporte viveu uma crise.
Paralelamente, o punk dá lugar ao hip-hop nas ruas e na preferência dos skatistas, e a busca passa a ser cada vez mais desafiar a gravidade —seja na rampa ou na rua. Os skates passaram a ter metade do peso em relação à década anterior, as rodinhas diminuíram e tudo ficou mais limpo, num formato semelhante ao usado atualmente.
Em 1995, Digo Menezes se torna o primeiro brasileiro campeão mundial de skate, em competição na Alemanha, e Bob Burnquist vence o Slam City Jam, campeonato mais antigo da América do Norte. Os skatistas passam a ter um intercâmbio maior, e começam a ser reconhecidos ao redor do mundo.
César Augusto Miranda, o skatista profissional Cesinha, que na exposição aparece numa foto deslizando o skate no próprio carro, conta que nos anos 1990 havia uma animosidade entre os americanos e os brasileiros. “Tinha muito preconceito”, ele diz. “Se você caía na mesma bateria de um americano e desse uma vacilada, eles te ‘quebravam’ antes de você competir.”
A partir de então, o skate cresceu e se popularizou ainda mais, com destaque para a popularização dos vídeos —em VHS, DVD e, hoje na internet— e do game de Tony Hawk. Mais recentemente, virou esporte olímpico, com o Brasil sendo referência e emplacando dois medalhistas, Rayssa Leal e Kelvin Hoefler, no primeiro ano de skate na competição.
Se a transformação por um lado marca a consolidação do esporte após anos de luta e resistência, ela também gera um medo nos skatistas de uma perda da essência da prática. “Houve um racha entre aceitação e não aceitação”, diz Bolota. “Agora já está pacificado. É uma realidade. Virou um skate à parte dentro do skate.”
“Por um lado, a gente sempre torceu para o skate ser popular, senão não estaríamos brigando há tantas décadas”, ele diz. “Mas era sempre com a nossa identidade. A Olimpíada foge disso. O medo era virar uma coisa pasteurizada —e está ocorrendo isso. O grande desafio é não perder a essência. Tem gente que me via de skate e olhava feio para mim. Agora que tá na Olimpíada tá achando legal?”
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Fonte: Uol