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Ingrid Guimarães ostenta um sorriso largo durante a entrevista. Sua nova comédia com Tata Werneck, “Minha Irmã e Eu”, acaba de cruzar a marca de 1 milhão de espectadores depois de duas semanas em cartaz. A conquista, que não era alcançada por um filme brasileiro havia cinco anos, dá fôlego ao setor, que vinha sofrendo para ocupar as salas desde a pandemia.
Mas o número está muito aquém de outrora. O último brasileiro a conseguir levar mais de 1 milhão de pessoas ao cinema foi o humorista Paulo Gustavo, morto em 2021 por causa do coronavírus.
Seu “Minha Mãe É uma Peça 3”, de 2019, dirigido por Susana Garcia —a mesma cineasta por trás de “Minha Irmã e Eu”— virou hit e é, até hoje, a maior bilheteria do cinema nacional, com quase 11 milhões de ingressos vendidos, segundo a Ancine, a Agência Nacional do Cinema.
Depois disso, um marasmo se abateu sobre o setor. Entre as razões que levaram à estagnação, segundo os profissionais da área, estão o coronavírus, o desmonte cultural do governo de Jair Bolsonaro e o fortalecimento das plataformas de streaming.
Segundo a Ancine, no ano passado os cinemas brasileiros arrecadaram R$ 2,1 bilhões, cerca de 21% a mais do que o valor obtido em 2022. Apesar da evolução, o número é menor do que os R$ 2,7 bilhões angariados em 2019, um ano antes de os cinemas fecharem por causa do coronavírus.
“Eu tinha receio dos números no pós-pandemia. Venho de um cinema em que fazíamos 5 milhões. Então fiquei apreensiva de que esse 1 milhão fosse um sonho distante”, afirma Ingrid Guimarães.
O clima geral é de bonança, mas celebrar 1 milhão de espectadores não deixa de ser preocupante, afirma Ana Paula Sousa, autora do livro “O Cinema que Não se Vê: A Guerra Política por Trás da Produção de Filmes Brasileiros no Século 21”. “Esse número era considerado o piso para o cinema nacional no passado. É pouco”, diz ela.
Guimarães discorda da autora. “A vida pós-pandemia é outra. Se esse filme tivesse sido feito em outras épocas, já estaria indo para 2 milhões de espectadores, é óbvio. Mas o êxito é um incentivo para o setor. Se a gente for comparar com os números antigos, não vamos para frente”, ela afirma.
A conquista reacende a discussão acerca da renovação da cota de tela. A lei, que obriga os cinemas a incluírem filmes brasileiros em sua programação com um número mínimo de sessões, esteve em vigor de 2001 até 2021, mas não foi renovada nem substituída pelo governo de Bolsonaro.
Desde então, os exibidores, como UCI, Cinemark e Cinépolis, podem escolher por quanto tempo vão exibir títulos brasileiros, podendo dar preferência aos estrangeiros.
A recriação da medida foi aprovada pelo Senado em dezembro do ano passado e prorrogada até o fim de 2033. Agora só falta a sanção do presidente Lula, do PT.
Sem a cota de tela, filmes brasileiros ficaram relegados a sessões em horários pouco nobres, quase sempre exibidos antes das quatro da tarde, quando poucas pessoas vão ao cinema. No primeiro semestre do ano passado, apenas 0,9% do público escolheu assistir a filmes nacionais.
Quem saiu perdendo com a falta da cota de tela foi o influenciador Luccas Neto. Seu longa “Os Aventureiros: A Origem” estreou com metade das sessões na capital paulista agendadas para antes das três da tarde. Só 12% ficaram nos horários nobres, após as cinco. O levantamento foi feito a partir de dados das plataformas Filme B, Ingresso.com e Comscore.
“Nosso Sonho”, cinebiografia da dupla Claudinho & Buchecha lançada em setembro, também sofreu. Longa brasileiro mais visto do ano passado, com 519 mil espectadores, o título estreou em 508 salas, número que caiu em 30% na semana seguinte. À época, artistas envolvidos na produção do filme criticaram a decisão dos cinemas.
“Minha Irmã e Eu” é um dos poucos que foge à regra. O filme estreou em 1.024 salas no Brasil e passou para mais de 1.500 na semana seguinte de exibição, num movimento que é considerado incomum.
Em paralelo, “Mamonas Assassinas: O Filme”, que também estreou em 28 de dezembro, cruzou a marca do meio milhão de espectadores, algo que apostas do ano passado como “Mussum, O Filmis” e “Meu Nome É Gal” não alcançaram.
“Um país que não consegue exibir sua produção de cinema tem sua identidade cultural agredida e prejudica a geração de emprego e renda. Falamos do direito das pessoas de conhecerem suas próprias histórias”, escreveu a ministra da Cultura, Margareth Menezes, em artigo publicado neste jornal.
Ingrid Guimarães, defensora da renovação da cota, diz que luta não por filmes comerciais como o seu, mas pelos independentes, com menos dinheiro e que mal chegam às salas. “A gente tem que fazer o público entender que o Brasil não produz só comédia.”
Ana Paula Sousa tem dúvidas. “Há uma ilusão de que a cota vai beneficiar toda a produção brasileira, mas acho difícil. O Brasil filma 500 longas por ano. Muitos não serão vistos no cinema. Com essa oferta gigantesca [no streaming], as pessoas preferem ver em casa.”
Na pandemia, desembarcaram no Brasil plataformas de streaming como HBO Max, Disney+ e Star+, enquanto outras ganharam mais assinantes, caso do Amazon Prime Video e da Netflix.
Ainda que assinar as plataformas não seja barato —um mês com os cinco serviços custa quase R$ 150—, ir ao cinema custa não apenas o ingresso, que em 2023 teve um valor médio de R$ 20, mas também envolve transporte, estacionamento e alimentação. Assistir a filmes em casa nunca foi, de fato, tão cômodo.
Há ainda um fator social a ser considerado nessa equação, afirma Sousa. Nos últimos anos, virou moda que bolsonaristas tentassem boicotar produções estreladas por artistas que já se manifestaram contra Jair Bolsonaro.
Foi o que aconteceu com filmes como “Ó Paí, Ó 2” e “Medida Provisória”, ambos de Lázaro Ramos, ator que virou desafeto dos bolsonaristas.
Guimarães e Tata Werneck, protagonistas de “Minha Irmã e Eu”, também apoiaram Lula nas eleições e poderiam ter sofrido represália. Mas o costume de sabotar produtos culturais, na visão da escritora, pode estar finalmente minguando após mais de um ano da derrota do ex-presidente.
Guimarães afirma ter uma sensação parecida. “Rolou uma lavagem cerebral em pessoas que não tinham acesso à informação. É muito triste que uma ideologia política faça com que a pessoa deixe de consumir um produtor. Mas isso vem mudando.”
Fato é que, com ou sem cota de tela, visto ou não por bolsonaristas, “Minha Irmã e Eu” tem encantado o público. A reportagem esteve em uma sessão do filme exibida à noite, no dia da estreia, quando o longa ainda não tinha estourado. Na sala, parcialmente cheia, o clima era de euforia, com gargalhadas que reverberavam por toda a sala.
Na trama, Mirelly, vivida por Werneck, sai de uma cidadezinha de Goiás para tentar a vida no Rio de Janeiro. Enquanto fica longe da cidade natal, ela finge para a família que está bem de vida e que virou amiga próxima de celebridades. Enquanto isso, Mirian, sua irmã careta interpretada por Guimarães, prefere levar uma vida mais tradicional.
Tudo muda quando a mãe delas, interpretada por Arlete Salles, descobre que nenhuma das filhas quer cuidar dela na velhice. Revoltada, a mulher desaparece, e as duas irmãs precisam deixar as diferenças de lado para a procurar.
Com dois dos maiores nomes da comédia brasileira de hoje, o filme tinha tudo para dar certo. Além de metralhar piadas no espectador, o longa aposta num drama familiar bem novelesco e até apela para o sucesso da música “Evidências”, um hino da dupla Chitãozinho & Xororó.
A receita do sucesso, afirma a diretora Susana Garcia, é fazer o público rir e chorar ao mesmo tempo. Em “Minha Mãe É uma Peça 3”, ela abordou temas como casamento gay e aceitação familiar.
“Comédia é vista como algo menor, mas é um gênero que pode abordar assuntos importantíssimos. Se você fizer humor com consistência, a pessoa sai mexida”, afirma a cineasta. “Quando a comédia vira arte, é um golaço, porque você leva aquilo para a massa.”
Entre as 20 maiores bilheterias nacionais da história, 14 são de filmes de comédia e quatro abordam temáticas religiosas. São os dois maiores interesses do brasileiro. É difícil encontrar na lista, mesmo em posições mais baixas, filmes de ação, terror, suspense, fantasia ou ficção científica.
O Brasil tem um cinema restrito por causa de falta de orçamento, afirma Marcio Fraccaroli, diretor da Paris Filmes, distribuidora de “Minha Irmã e Eu”, que já lançou muitas comédias brasileiras.
“A gente compete contra estúdios como Disney, Warner e Sony”, ele afirma. “O inimigo é o estúdio americano, que recolhe dinheiro aqui e não deixa para o Brasil.”
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Fonte: Uol