[ad_1]
Nas suas expedições pelas regiões Norte e Nordeste do Brasil no final da década de 1920, Mário de Andrade fotografou a população ribeirinha e os trabalhadores. Numa das fotos, um homem sem camisa trepa num coqueiro; em outra, um pescador de tornozelos de fora joga a rede ao mar. Há uma energia viril em ambas as imagens.
Olhadas isoladamente, estas e outras tantas fotografias são registros das viagens do escritor pelo interior do Brasil. Quando colocadas lado a lado com a sua coleção de obras de arte, seus escritos e sua história de vida, as imagens podem ser lidas a partir de uma perspectiva homoerótica.
Esta é a premissa da exposição “Mário de Andrade: Duas Vidas”, que abre para o público nesta sexta-feira (21), no Masp , o Museu de Arte de São Paulo. Para a seleção das obras, as organizadoras da mostra, Regina Teixeira de Barros e Daniela Rodrigues, partiram do debate recente acerca da homossexualidade do modernista, detonado pela revelação, em 2015, de uma carta escrita por ele para Manuel Bandeira na qual ele aborda a sua sexualidade. O tema era um tabu nos debates sobre Mário de Andrade até então.
No mezanino do subsolo do museu, estão 88 obras, entre fotografias tiradas por Mário de Andrade e trabalhos de outros artistas de sua numerosa coleção de arte, que giram em torno de sua afeição pelos homens. A seleção do que está exposto foi feita com delicadeza —Teixeira de Barros diz não se tratarem de obras eróticas.
“Tem muitos desenhos que são cabeças de homens, corpos ou torsos. É uma multiplicidade de expressões de rostos masculinos e de corpos masculinos”, ela afirma, ressaltando que a coleção, pertencente quase em sua totalidade ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, data da primeira metade do século 20.
Logo no começo da mostra, ao lado da pintura “O Homem Amarelo”, uma das mais conhecidas de Anita Malfatti, estão desenhos de homens nus de Clóvis Graciano e uma ilustração de Candido Portinari no qual as coxas grossas de um outro homem são acentuadas. As obras estão próximas à uma aquarela de Flávio de Carvalho retratando uma figura masculina de costas.
As organizadoras destacam que muitos dos trabalhos em papel da mostra não ficavam expostos nas carregadas paredes da casa de Mário de Andrade, mas sim guardados em gavetas, o que dá à exposição um caráter pessoal.
Teixeira de Barros lembra de um texto em que o escritor diz que os desenhos têm algo de efêmero —ao contrário da vocação para o eterno das pinturas—, e que eles deveriam ser mantidos em pastas para serem folheados. “Esse contato era muito particular, não era de domínio familiar. Eram coisas que ele tinha para ele”, afirma Teixeira de Barros, em referência aos desenhos.
Sobre as fotografias, ela destaca que, embora o autor tivesse fotografado arquitetura e paisagem nas suas incursões pelo interior, ele optou por ampliar fotos de homens, em alguns casos várias vezes e, em outros, cortando os elementos ao redor para deixar em evidência os corpos masculinos.
As organizadoras selecionaram as imagens no arquivo de mais de 2.000 fotos em preto e branco e sépia do autor de “Macunaíma”, e incluíram na exposição diversos autorretratos. Em alguns, ele aparece imitando as ações dos trabalhadores que fotografava, enquanto em outros está sorridente e relaxado, diferente da figura de intelectual com que é habitualmente representado.
Há ainda uma pequena seleção de arte sacra —com uma escultura de Cristo na cruz, por exemplo, com um pano esvoaçante que mal esconde a pele —, que quando colocada em contexto pode ser lida como uma série de representações de corpos masculinos, não de figuras religiosas.
[ad_2]
Fonte: Uol