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O vestido amarelo-ouro reluz sobre o corpo da modelo feito uma constelação. Ela caminha a passos firmes na passarela enquanto exala glamour e elegância. “A moda realiza sonhos. Ela cria mitos. É ilusão, magia e desejo. É quase um feitiço”, diz a primeira cena de “O Reino dos Sonhos”, série documental disponível na Max.
A indústria cinematográfica parece ter entendido a força desse feitiço e tem apostado nele para atrair espectadores e deixá-los mesmerizados. Não à toa, uma onda de filmes, séries e documentários sobre o tema tem tomado salas de cinema e plataformas de streaming.
Em janeiro, estreou no Star+ a série “Cristóbal Balenciaga”, obra que fala sobre a vida do fundador da marca que leva seu sobrenome. Em fevereiro, foi a vez de Christian Dior ganhar uma série, com o lançamento de “The New Look”, na Apple TV +.
Já no final do ano, a Disney+ deve lançar uma produção sobre a trajetória de Karl Lagerfeld, estilista alemão que tirou a Chanel da falência ao assumir a direção criativa da marca, em 1983.
Essas obras não apenas mostram o luxo dos vestidos, mas também jogam luz sobre as intrigas dos bastidores e os jogos de poder de uma indústria especializada em vender desejo.
“Mexe com os sonhos das pessoas. Isso dá retorno financeiro e visibilidade”, diz João Braga, especialista em história da moda. “Quem às vezes não gasta o que não tem para realizar um sonho?”
Ele diz que o audiovisual tem investido nessas produções por entender que a moda estimula fantasias, algo que atrai espectadores.
“É como se fosse uma válvula de escape contra um mundo pós-pandêmico que anda muito agressivo”, diz o pesquisador, em referência a conflitos como a Guerra da Ucrânia.
Essa capacidade de mexer com o imaginário das pessoas pode ser vista no filme “Sra. Harris Vai a Paris”. O longa concorreu ao Oscar de melhor figurino em 2023 ao contar a história de uma faxineira que tem o sonho de comprar um vestido de alta-costura da Dior.
“A moda consegue nos relacionar com a sensibilidade, assim como o design e a arquitetura. Só que agora ela está com a bola da vez.” E não é só na ficção.
Documentários também têm se debruçado sobre esse tema, como é o caso de “Ascensão e Queda: John Galliano”, que estreia neste mês. A obra fala sobre a ascensão e queda do estilista britânico que deixava plateias boquiabertas com seus desfiles teatrais.
Em 2011, porém, a carreira de Galliano entrou em declínio após a imprensa britânica divulgar vídeos nos quais ele proferia declarações de teor antissemita. O estilista foi preso, multado em € 6.000 e demitido da Dior, na qual desenvolveu um trabalho considerado brilhante.
Também neste mês, chegou à Mubi o documentário “Who is Sabato de Sarno? A Gucci Story”. Com narração do ator Paul Mescal, o curta-metragem mostra os bastidores do primeiro desfile de Sabato de Sarno como diretor criativo da grife italiana.
Já em setembro do ano passado, a Apple TV+ lançou a série documental “As Supermodelos” para contar a história de Naomi Campbell, Cindy Crawford, Linda Evangelista e Christy Turlington. As quatro foram alçadas ao olimpo fashion nos anos 1990 com salários milionários.
“A moda é esse sonho e nunca vai deixar de ser”, diz Maíra Zimmermann, coordenadora do departamento de moda da Faap, a Fundação Armando Álvares Penteado. “A partir do momento em que não vender mais sonho, ninguém vai querer comprar. Você não compra a realidade.” Até porque ela nem sempre é bonita.
Lançado no final de 2022, o documentário “O Reino dos Sonhos” mostra como a indústria pode drenar a força criativa de estilistas, exigindo um ritmo de produção cada vez mais frenético para cumprir prazos curtos e metas ambiciosas.
John Galliano, por exemplo, já disse em entrevistas que precisava criar 32 coleções por ano para a Dior e que as pressões do trabalho intensificaram sua dependência química. Esse segmento também acumula denúncias de empregar trabalhadores em condições análogas à escravidão. “É uma máquina de moer gente para vender sonhos”, diz Zimmermann.
Além de ser uma fonte de escapismo, a moda tem gerado interesse por se associar a figuras do mundo pop.
Em janeiro deste ano, Kim Kardashian foi nomeada embaixadora da Balenciaga –marca espanhola que mergulhou em uma crise de imagem após ser acusada de abuso infantil, em 2022. À época, a grife lançou uma campanha em que crianças apareciam ao lado de ursinhos com acessórios sadomasoquistas.
Em 2023, a Louis Vuitton anunciou o rapper e produtor musical Pharrell Williams como seu novo diretor de moda masculina. No mesmo ano, a marca convidou Rihanna para estrelar uma de suas campanhas.
A exemplo dos artistas aos quais se associam, essas grifes viraram ícones da cultura pop. “É quase como se as pessoas estivessem comprando uma camiseta de banda quando adquirem itens delas”, diz Zimmermann.
De acordo com a pesquisadora, a parceria entre artistas e marcas começou a ganhar força a partir da década de 1960, quando os Beatles ajudaram a difundir os ternos idealizados pelo estilista Pierre Cardin.
Outra união importante foi firmada entre Madonna e o francês Jean Paul Gaultier. O estilista criou o célebre sutiã em formato de cone que a artista usou na turnê “Blond Ambition”, de 1990.
“Essa associação entre moda e cultura pop chegou num nível que hoje em dia é muito difícil para uma marca dialogar com a geração Z sem uma celebridade”, afirma ela, usando como exemplo a campanha que o cantor Harry Styles estrelou para a Gucci, em 2022.
“Acredito, inclusive, que as minhas alunas tenham começado a prestar atenção nessa marca por causa dele.”
O sociólogo Dario Caldas diz que a geração Z é de fato uma das responsáveis pela popularização de conteúdos sobre moda. Criador do escritório de tendências Observatório de Sinais, ele diz que esses jovens têm um apreço especial por roupas. “É uma geração consumista e que gosta de comprar em plataformas de fast fashion, como a Shein.”
Pesquisas ecoam essa avaliação. Um estudo da Thredup –uma das maiores lojas online de roupas usadas do mundo– entrevistou quase 2.000 universitários americanos entre 16 e 25 anos e constatou que 72% deles compraram em plataformas de fast fashion em 2021.
Além disso, 35% dizem gastar muito tempo e dinheiro nesses sites e 45% afirmam que é difícil resistir à tentação que eles oferecem.
“O perfil consumista dessa geração é fruto de várias crises, como a econômica e a climática”, diz Caldas, para quem a moda ameniza o desconforto dos jovens diante desse cenário.
No entanto, não é apenas a economia ou o meio ambiente que passam por turbulências. O próprio conceito de luxo sofre transformações. É isso o que afirma Mário Queiroz, designer de moda e doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP.
Ele diz que as grifes atualmente não investem em produtos apenas voltados a milionários, mas também em itens mais acessíveis, como cintos e perfumes. Com isso, a ideia é ampliar a possibilidade de lucro.
“Nós não estamos mais falando de maisons fechadas. Hoje, são conglomerados econômicos que detêm essas marcas. Portanto, querem vender de tudo, seja para rico, seja para a classe média baixa.”
É nesse contexto de popularização do luxo que séries e filmes sobre o tema ganham fôlego, tendência que rende bons frutos às marcas.
“É uma forma de trazer consistência a elas. Não estamos falando de empresas que nasceram ontem. Na verdade, elas atravessaram a história e passaram, inclusive, por guerras.”
No entanto, o especialista não considera que essas obras glorifiquem grifes ou estilistas. Isso porque as produções retratam intrigas, conflitos e personagens falhos, ou seja, os ingredientes de um enredo envolvente. “Acho que falar sobre moda dá muito pano para manga.”
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Fonte: Uol