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O Ano Novo Lunar, celebrado em 2024 como o ano do dragão de madeira, começou em 10 de fevereiro. A palavra chinesa “lóng”, ou 龍, é geralmente traduzida como “dragão”. Mas não se deixe enganar pela conexão: os dragões chineses celestiais da sorte são feras muito diferentes dos monstros cuspidores de fogo da mitologia inglesa.
E os dragões chineses também são diferentes do majestoso “ušum-gal” sumério, uma criatura mítica com mandíbula de leão e corpo de cobra do antigo Oriente Médio.
Em todo o mundo, e em várias línguas diferentes, as pessoas criaram palavras que significam mais ou menos dragão – mas a forma como elas os imaginam, e se veem estes seres como sagrados, amigáveis, mortais ou simplesmente um pouco irritantes, varia bastante entre as culturas.
Essas criaturas parecidas com dragões têm uma coisa em comum: tendem a compartilhar características com animais da vida real e refletem nossas interações e sentimentos em relação ao mundo natural.
A seguir, convidamos você a fazer uma viagem pela história em busca desses mitos globais sobre dragões e sua inspiração na vida real – e o que eles podem nos ensinar sobre nossa própria relação com a natureza.
A palavra mais antiga para dragão?
Há mais de 4 mil anos, um escriba da antiga Mesopotâmia – região do Médio Oriente que hoje faz parte do Iraque – escreveu uma palavra curiosa numa tabuleta de argila: “ušum-gal”. A palavra está em sumério, a língua escrita mais antiga da humanidade, e acredita-se que seja a palavra mais antiga conhecida para dragão. É composta pelas palavras “gal” (grande) e “ušum” (“cobra”).
Mas que tipo de criatura é um “ušum-gal”? E será que existe uma homóloga a ela ainda viva, de verdade, no Médio Oriente?
Textos sumérios sugerem que era uma criatura mítica inspirada nas cobras, mas também nos leões, diz Jay Crisostomo, professor de civilizações e línguas do antigo Oriente Médio na Universidade de Michigan, nos EUA, cujo trabalho inclui decifrar e traduzir documentos originais de argila sumérios.
“É uma das várias criaturas míticas [na cultura suméria] que combinavam vários animais e normalmente tinham características relacionadas à sabedoria, poder e proteção”, ele explica.
“O ušum-gal é especialmente conhecido por sua boca, então provavelmente tinha uma boca grande e escancarada.”
Nos textos sumérios, a palavra ušum-gal é frequentemente usada como metáfora para leão ou em conjunto com leões, como parte de uma característica real temível, acrescenta Crisostomo.
“Por exemplo, um hino ao deus da Lua Suen proclama: ‘Nascido nas montanhas e se manifestando com alegria, ele é uma força poderosa, um leão, um ‘dragão’ (ušum-gal), um senhor poderoso. Suen, (com a) boca como a de um ‘dragão’, governante de Ur!'”
Segundo ele, a palavra também descreve uma criatura que tem domínio sobre os demais e só pode ser derrotada pelos seres humanos mais poderosos:
“Algumas histórias ilustram o deus ou o rei como tão poderoso que nem sequer os ušumgal ousam deixar as planícies/deserto ou entrar no seu caminho. Imagino que o ušum-gal provavelmente era originalmente um tipo de leão ou outro animal carnívoro selvagem, e gradualmente agregou mais associações mitológicas ao longo de centenas de anos.”
Os sumérios não têm descendentes modernos. Mas os falantes de acadiano, uma antiga língua semítica relacionada com o árabe e o hebraico modernos, pegaram emprestada a palavra suméria e usaram-na como “ušumgallu”, que pode ser traduzida como “leão-dragão”, conta Crisostomo.
Na cultura acadiana, esta criatura leão-dragão era adorada como um ser divino, segundo ele:
“Outra criatura dragão mitológica em acadiano é o mušhuššu (emprestado do sumério muš huš, que seria “cobra feroz”); esta criatura é traduzida como ‘dragão’, e está notoriamente retratada na Porta de Ishtar da Babilônia.”
“Então ušum-gal é a palavra mais antiga conhecida para dragão? Possivelmente. Era certamente uma criatura com características que coincidem com a nossa ideia de dragões. Uma criatura poderosa e inspiradora à qual deuses e reis ficariam felizes em estar associados, uma criatura imbuída de lendas e um pouco de mistério. Se isso é um dragão, então um dragão é um ušum-gal”, conclui.
Estátuas e esculturas de leões daquela época sobreviveram até os dias modernos. Uma reconstrução da Porta de Ishtar, com alguns fragmentos remanescentes de sua morada original na Babilônia, está agora em um museu em Berlim, na Alemanha.
Mas e os leões da vida real que outrora vagaram pelo antigo Oriente Médio? Não temos como saber exatamente a qual leão os sumérios se referiam. Mas dois subgrupos de leões asiáticos que outrora eram relativamente comuns estão agora quase extintos, exceto por uma pequena população na Índia.
O dragão da mudança na China
Enquanto os dragões ingleses cospem fogo e travam batalhas com anjos, os dragões chineses são seres sagrados. Voando sem asas pelas nuvens, expelindo vento, e não chamas, eles simbolizam sorte e bênçãos.
Elas começam com a ideia de que eram símbolos de totens usados por alguns clãs pré-históricos – e foram inspirados, por sua vez, em cobras do mundo real, ou talvez em uma píton oceânica gigante. Quando esta sociedade tribal passou a ser baseada em classes, escreve Meccarelli no artigo Discovering the Long, o dragão se tornou um símbolo dos governantes.
Uma segunda vertente de teorias liga as lendas a uma espécie de crocodiliano, como o jacaré-da-china. Há sete mil anos, as planícies aluviais pantanosas às margens do Rio Yangtze eram um refúgio para jacarés. Mas à medida que os agricultores transformaram seu habitat em campos de arroz, a população da espécie diminuiu. Hoje, está entre os crocodilianos mais ameaçados do mundo.
As imagens dos dragões também podem ter evoluído a partir de tentativas de replicar o barulho e as formas em espiral dos trovões e relâmpagos – eles recebiam orações para melhorar o tempo, afirma Meccarelli. Esta relação meteorológica poderia ajudar a explicar a associação linguística de tornados e dragões rodopiantes em chinês, como mencionado anteriormente.
Alternativamente, a quarta abordagem, de acordo com Meccarelli, sugere que os dragões evoluíram a partir da adoração da própria natureza – e são um amálgama de diversos animais e fenômenos climáticos.
Roel Sterckx, professor de história, ciência e civilização chinesa na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, apoia esta última teoria – e é cético em relação às tentativas de relacionar os dragões chineses a animais individuais da vida real.
“Uma grande quantidade de disparate foi escrita sobre as origens do dragão chinês, desde cientistas tentando identificá-lo como algum tipo de jacaré ou outro anfíbio até epigrafistas tentando interpretar a representação gráfica para ‘long’ como um pictograma de algum tipo de criatura reptiliana”, diz ele à BBC.
“A verdade é que tudo isso é especulação, e o ponto principal é que o dragão chinês é um híbrido que incorpora características e locomoção de todos os animais em um só.”
Em outras palavras, o dragão é a personificação, não de uma entidade singular, mas da própria capacidade de mudança.
Os ‘vilarejos de dragões’ da Inglaterra
Em 793 d.C., “dragões flamejantes” voaram pelos céus da Nortúmbria – um mau presságio. Seguiu-se um ataque viking cruel e devastador na ilha de Lindisfarne, no norte da Inglaterra, que reverberou por toda a Europa
As histórias anglo-saxônicas estão repletas de dragões ferozes, dormindo em cavernas sob as colinas, guardando seu tesouro. E as lendas continuam vivas em muitos nomes de lugares ingleses. Por exemplo: Dragley Beck, uma aldeia em Lancashire, e Drakelow, um vilarejo em Derbyshire. Ambos os nomes podem significar “monte do dragão” ou “colina do dragão”.
Historicamente, o inglês tem duas palavras comuns para dragão: dragon, e a palavra antiga, agora raramente usada, wyrm. A palavra “dragon” é derivada do latim “draco”, que significa serpente ou peixe marinho. Enquanto isso, nos textos religiosos cristãos, “dragon” também se refere ao diabo. Esta criatura mitológica assumiu diferentes qualidades e formas ao longo da história – como, por exemplo, de dragão cuspidor de fogo, o chamado “firedrake”.
“Wyrm”, por outro lado, é uma criatura rastejante e escorregadia, não uma criatura alada, voadora e flamejante. “Wyrm” também se refere a parasitas, cobras e criaturas que viviam em túmulos na Inglaterra medieval. E foi fonte de inspiração para mitos, como o do Verme de Lambton, que devora crianças. Esta criatura assustadora era mais comum no folclore inglês do que a versão alada – e escondia-se em cavernas ou pântanos.
“O wyrm não tem pernas, mas desliza como uma serpente”, diz Carolyne Larrington, professora de literatura medieval europeia na Universidade de Oxford, no Reino Unido.
É diferente dos monstros alados flamejantes:
“O firedrake pode voar e lançar chamas, enquanto o wyrm cospe veneno”, acrescenta Larrington.
Segundo ela, as cobras da vida real podem ter inspirado os mitos.
“[Também] sugeriram que os fósseis de dinossauros podem ter desempenhado um papel nisso. Mas não há nenhuma correlação real entre as histórias de dragões e as descobertas de fósseis”, explica.
Um mito inspirado na cobra pode ter chegado à Inglaterra vindo do exterior: há algumas evidências de que o padrão do dragão migrou com o deslocamento dos seres humanos.
Hoje, a única cobra venenosa da Grã-Bretanha, a víbora, está com sua população em declínio, uma vez que agricultura intensiva está destruindo habitats e fazendo com que as populações se tornem fragmentadas e isoladas.
Os dragões ingleses, por outro lado, diz Larrington, são geralmente invulneráveis e simbolizam poder.
“Você tem que encontrar o ponto fraco deles para matá-los”, explica.
Quer sua ideia de dragões seja a de símbolos da sorte rodopiantes ou de vermes gigantes e rastejantes, o Ano Novo Lunar pode ser uma boa oportunidade para você procurar por pistas na sua própria língua, vida cotidiana e ambiente – e, quem sabe, se maravilhar com o ato coletivo de imaginação e apreciação da natureza que deu origem a essas criaturas fabulosas.
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Fonte: Uol