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Eu acho que o nome era Cine Veneza. O filme em cartaz eu lembro: “Um Dia, um Gato”, de um diretor tcheco cujo nome, se tenho dificuldade em pronunciar hoje, imagine quando eu era uma criança nos anos 1960, sendo levado ao cinema pelas mãos da minha avó Wanda, descendo pela calçada da rua mais badalada dos anos 1960 na capital paulista, a Augusta.
Era um ritual de todo domingo de manhã, um privilégio que, se alguma avó (ou qualquer parente) quiser reproduzir hoje na mesma São Paulo, vai ter dificuldade. Pois nas grandes cidades, os cinemas fora de shopping centers talvez até passem por uma ressurreição, mas contam-se nos dedos.
Para além dessas matinês na Augusta, quando eu vi não só o alucinante filme de Vojtech Jasny, mas também “Um Convidado Bem Trapalhão” e “Se Meu Fusca Falasse”, as cidades por onde circulava na infância também enchiam meus olhos nas suas principais calçadas.
Minhas férias escolares eram divididas entre o Rio de Janeiro e Uberaba, a cidade onde eu nasci em Minas Gerais. Se meu berço só oferecia três opções —entre elas, o saudoso Cine Vera Cruz, que era mais perto da casa da minha outra avó, Minica—, no Rio eu me lembro de poder escolher, entre tantas salas, uma de onde eu saía de uma sessão de cinema e olhava o mar.
Meu universo carioca até o início dos anos 1970 era Copacabana. Eu passava os verões entrando e saindo dos vários cinemas. Além do Rian, em plena avenida Atlântica, tinha também o Roxy, onde vi o primeiro “Guerra nas Estrelas”, em três sessões consecutivas.
Ele ficava na avenida Nossa Senhora de Copacabana e era o meu favorito, sempre pedia para as minhas vizinhas cariocas mais velhas (leia-se, adolescentes) me levarem lá. Ou no Cinema 1, que elas preferiam ir porque exibia filmes menos comerciais —eufemismo que elas usavam para os filmes de arte.
Foi lá que vi “Pele de Asno”, com Catherine Deneuve. E onde também, deslumbrado, assisti a todos de Jacques Tati. A própria Cinelândia, no centro do Rio, que contra todas as previsões persiste, era fora dos limites para mim, mas seu nome inspira paixões cinéfilas até hoje.
Quando eu então podia escolher sozinho os filmes que queria ver, já no final dos anos 1970, início dos 1980, São Paulo ainda tinha uma pletora de salas para escolher. A maioria delas no entorno da praça da República, onde o meu favorito era o Cine Metrópole, não exatamente um cinema de rua, uma vez que ficava dentro de uma galeria, mas indiscutivelmente um lugar em que o cinema era bem tratado.
Para as salas de projeção, as galerias foram uma fase intermediária entre a rua e os shoppings, protegidos de certa maneira da turba urbana, mas generosas nos espaços para o que ainda se chamava de “grande tela”. Na Paulista, por exemplo, o Center 3 tinha dois espaços nobres e temáticos.
O Bristol era, inexplicavelmente, inspirado em temas medievais, com armaduras enfeitando suas escadarias. O outro era o Liberty, com toques art nouveau e dramáticos vitrais que evocavam as diáfanas musas do artista Alphonse Mucha.
Mas em termos de drama, nada me impressionava mais do que a rampa do Cine Astor, no Conjunto Nacional, do outro lado da Paulista. Esperar numa fila naquela espiral era em si um momento de glamour, não importava se você estava lá para ver “Horizonte Perdido”, um filme do 007, um musical de Claude Lelouch ou a segunda trilogia de “Guerras nas Estrelas”.
Na tristemente moribunda Livraria Cultura que lá se instalou, as sacadas e rampas dão uma ideia da grandeza daquele espaço. Mas a ausência da rampa, substituída por uma insossa escada, é para mim imperdoável.
Ironicamente é ali perto, descendo duas quadras pela Augusta, que ainda sobrevive um cinema de rua, o Cinesesc. Se a ele falta imponência, a programação ao menos é impecável. E o público, como conferi recentemente ao ir lá ver o último curta de Pedro Almodóvar, “Estranha Forma de Vida”, comparece em peso.
O que me dá uma certa esperança de que um milagre fará um bilionário idiossincrático, talvez CEO de uma grande empresa, investir numa paixão sua pelo cinema —os Espaços Itaú de Cinema são o exemplo mais alentadores disso, ainda que a escolha ali tenha sido, de maneira louvável, mais telas para mais filmes.
Pelo mundo, salas imponentes são um evento. Em Paris, onde ainda é possível ir a uma sessão na parte da manhã, há filas para ir ao impressionante Grand Rex. O BFX Imax em Londres é um templo visual em Waterloo. Em Buenos Aires, apesar de todos os horrores da nova presidência contra a cultura, os arredores da Corrientes são uma prova da resistência da força do cinema argentino.
E aqui mesmo no Brasil, o precioso Cine Olympia, em Belém, esbanja vigor na capital paraense mais de 110 anos depois da sua inauguração. E o Cine Glauber Rocha, em plena praça Castro Alves, só esperou os trios elétricos passarem no último Carnaval para voltar à sua programação normal.
Sinais de que o cinema, como a gente um dia conheceu, ainda vai ter mais vidas do que o gato tcheco que encantava minhas manhãs de domingo.
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Fonte: Uol