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Um conjunto de móveis do final dos anos 1940 pegou pó e umidade por décadas num depósito em um sítio em Embu Guaçu, até ser resgatado há poucos anos. Apesar de esquecidos por tanto tempo, o sofá, o carrinho de chá, a mesa de jantar, as poltronas, camas e mesinhas laterais são uma relíquia do design brasileiro.
As peças foram criadas sob encomenda por Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti, no curto período em que tiveram o Studio de Arte Palma —um dos primeiros escritórios de design de móveis e arquitetura de interiores do Brasil—, em sociedade com Pietro Maria Bardi, jornalista, marchand e marido de Lina. O cliente do trio era o médico José Mário Taques Bittencourt, que mobiliava a sua casa, projetada por Vilanova Artigas.
Depois de um restauro respeitoso ao projeto original dos móveis, supervisionado por Sergio Campos, galerista especializado em mobiliário moderno, as peças podem ser vistas na Casa de Vidro deste sábado (16) até 6 de abril. A casa foi o endereço onde Lina morou com Pietro no bairro do Morumbi, em São Paulo.
Em paralelo à exposição, Campos e o arquiteto Lucas Dualde lançam um livro curto que conta, em textos e fotos, a história deste mobiliário e como ele se encaixa na casa de Artigas, um exemplar da arquitetura modernista. Há imagens de época que mostram as peças em sua disposição original e um ensaio recente de Ruy Teixeira onde vemos os móveis, pós-restauro, recolocados nos mesmos lugares na residência. A edição é bilíngue, em português e inglês.
A poltrona P6 exemplifica o pioneirismo de Lina no design —ela inovou ao usar compensado de pinho de araucária na estrutura e lona com amarração, sem botões, no encosto e no assento. No lugar do estofamento há um vazado, uma característica que imprime leveza ao móvel e “respeita as condições climáticas brasileiras”, diz Campos.
“No mobiliário, Lina agrega os valores populares brasileiros com a bagagem do racionalismo italiano que já tinha. Ela usa materiais revolucionários para a época”, afirma Campos, destacando o diálogo dos desenhos da arquiteta com o vernáculo do interior do Brasil.
Na Casa de Vidro, parte dos móveis foi disposto de modo a emular uma sala de estar, colocados sobre um tapete de sisal, e a outra parte está num canto. Há ainda uma cama, no quarto onde Lina dormia. Embora pouco vistas, as peças restauradas estão em meio ao mobiliário normal do espaço, de modo que o ambiente fica meio carregado —elas mostrariam melhor a sua graça com menos coisas ao redor.
Ainda assim, o charme está lá. A mesa de jantar tem as marcas de uso e de um restauro anterior que precisou ser refeito, enquanto o carrinho de chá parece novo, dado que estava em muito bom estado quando foi encontrado, segundo Dualde, responsável pela expografia. Uma das mesinhas laterais teve um cantinho quebrado refeito com o mesmo compensado original.
Campos, o galerista, destaca que, na virada da década de 1940 para a de 1950, eram poucos os arquitetos que entendiam o que Lina estava fazendo —Vilanova Artigas, que se tornaria depois o principal nome da escola brutalista, era um deles. Foi Artigas quem sugeriu ao dono da casa que encomendasse os móveis para Lina, porque tinham a ver com o projeto arquitetônico.
“Na época, foi um feliz encontro do que se tinha de mais vanguardista em arquitetura e em design em São Paulo”, diz Campos.
A casa Bittencourt, localizada no Sumaré, é muito semelhante à residência onde o próprio Artigas vivia, no bairro do Campo Belo. Ambas seguem a cartilha do modernismo, com poucas divisórias, continuidade espacial, ausência de ornamentos e fachadas de vidro que permitem o contato com a natureza.
Dualde, o arquiteto, se mostra realizado com o restauro dos móveis, por resgatarem o espírito original de Lina Bo Bardi. Segundo ele, o foco, por ora, não é reeditar as peças para comercializar. Dualde diz ser “filosoficamente contra” reedições, porque seria errado reproduzir como mobiliário de luxo móveis que foram feitos num contexto sociocultural específico com uma matéria-prima que hoje não existe mais.
“A Lina quis fazer esse projeto para que o Brasil inteiro tivesse um móvel com dignidade, com os materiais locais”, ele afirma. “Era para fazer um móvel popular para que as pessoas que se interessassem pelo desenho não tivessem que olhar para a Europa, para o que o Le Corbusier estava fazendo.”
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Fonte: Uol