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Nilton Ramon de Oliveira, entregador do iFood, tomou um tiro porque, segundo relatos, recusou-se a subir com a comida até o apartamento do agressor, policial militar.
O caso aconteceu no último dia 4, no subúrbio do Rio. A vítima está hospitalizada (a bala rompeu a veia femoral), e sua família diz sofrer intimidação de PMs.
Essa é uma tragédia com múltiplas camadas de desgraça.
No âmbito municipal, é o retrato de uma cidade que estrebucha para não largar mão das relações sociais estacionadas no século 19, quando o Rio era a capital de um império escravocrata.
Passei seis meses no Rio em 2019, não sei se dá para dizer que morei, mas tampouco era turista. Vivia num apartamento e fazia coisas de residente, como pedir comida pelo iFood.
Na primeira vez em que chamei uma pizza, fiquei surpreso quando o entregador tocou a campainha sem sequer um aviso pelo interfone. Narrei a minha surpresa para amigos cariocas, que se surpreenderam com o fato de eu estar surpreso.
Em São Paulo, pelo menos nos bairros em que eu morei, essa coisa de entregador subir teve vida curtíssima.
Logo depois de inventarem o disque-pizza –nenhuma outra comida era entregue, e o termo “delivery” foi adotado décadas mais tarde–, os condomínios passaram a exigir que os moradores fossem buscar o pedido no portão da rua.
O cuidado, evidentemente, não tinha nada a ver com o bem-estar do trabalhador da entrega.
Era apenas uma medida para evitar que possíveis criminosos invadissem o prédio. Taí uma preocupação que os cariocas não têm.
Você pode morrer de bala perdida dormindo na sua cama, mas parece haver um acordo silencioso com a bandidagem. A segurança nos prédios da zona sul é precária, desleixada, ainda assim não há assaltos às residências.
A comida sempre subiu de elevador no Rio, até que a iFood mandou todo mundo finalizar os pedidos na calçada. Deu em ataques de pelanca dos privilegiados que perderam um privilégio mesquinho.
Na Barra da Tijuca, o youtuber Rica Perrone subiu nas tamancas porque, na sua avaliação, trabalha com algo mais importante do que transportar alimentos e não poderia descer em hipótese alguma.
Vá lá, não é só no Rio. Estamos no país do “sabe com quem está falando?”.
Em Brasília, um engenheiro deu carteirada, disse ser juiz e, com o dedo em riste, ameaçou “foder com” a vida do motoqueiro que pedia um código para fechar o pedido.
Rica admitiu ter atirado a comida no entregador. Já o cabo Roy, lá da Vila Valqueire, no Rio, atirou foi um pipoco no insolente Nilton Ramon, que teve o desplante de não lhe ser subserviente.
Parece extremo demais até para um policial carioca que vive de esculachar gente de pele escura.
Parece que a selvageria das redes sociais, em que opiniões divergentes descambam em insultos e ameaças, está escapando para o mundo real.
Parece que, no mundo material, a bala de revólver é feita de chumbo e pode matar uma pessoa, mas quem liga?
Pessoa? Não, só o moleque abusado que não quis pegar o elevador e ainda filmou tudo com o celular.
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Fonte: Folha de São Paulo