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Olhar como Heena Baek constrói suas ilustrações talvez seja acompanhar um dos processos mais interessantes da literatura infantojuvenil e do livro ilustrado atual. E aqui o verbo escolhido não é uma metáfora. A artista sul-coreana costuma, de fato, construir personagens, figurinos, cenários e todos os elementos de suas histórias, numa técnica que mistura arquitetura, cenografia e casinha de bonecas.
Em seu estúdio, em Seul, há dezenas de pequenas cabeças, todas com expressões diferentes, além de coleções de cadeirinhas, minisofás, ventiladores em miniatura, televisores menores do que caixas de fósforo. Isso sem falar na maquete de um prédio, com a altura de uma pessoa em pé.
Tudo é usado para criar a cena desejada, que depois é fotografada, mais ou menos como se estivéssemos na produção de um filme em stop motion —o que não deixa de ser natural, já que a escritora e ilustradora de 52 anos se especializou em animação na Califórnia, nos Estados Unidos.
“Na animação, há um pouco mais de variáveis. É claro que os livros também podem variar bastante, dependendo do papel, da impressão, da encadernação”, diz Baek, em conversa com este blog. “Mas no audiovisual há edição, música, efeitos sonoros, movimento, velocidade. São elementos mais complicados de controlar, mas que podem adicionar uma camada mais dramática à narrativa.”
A entrevista foi feita por email, via Companhia das Letras, que vem publicando os últimos livros da autora no Brasil, como “Picolé de Lua” e “Balas Mágicas”. Antes, ela já havia lançado por aqui “Eu Sou Cachorro”, que saiu pela editora Amelì. As perguntas e respostas foram traduzidas por Luis Girão, diretor da ARA Cultural, que verte para o português os textos de Baek e de outros autores da Coreia do Sul, como Suzy Lee, JiHyeon Lee e Jo-Ara, por exemplo.
E já que estamos falando dos bastidores deste texto, aproveito para dizer que, como o nome da autora precisou ser transliterado, ou seja, passado para as letras do nosso alfabeto, a opção foi apresentá-lo de acordo com a estrutura brasileira —ou seja, Heena Baek, com nome seguido de sobrenome; e não Baek Heena, como é mais comum em países asiáticos.
Seja como for, a artista lança neste mês pela Companhia das Letrinhas um novo título no Brasil. “A Mamãe do Pintinho” conta a história de uma gata de rua que adota um filhote de galinha. Muita gente já deve estar curioso para saber como Baek desenvolveu as imagens, quais materiais usou, como são os bonecos, se há maquetes da granja, se o ovo do pintinho é real ou não.
Só que não há nada disso. As ilustrações optam por outro caminho, abrindo mão da estética dos bonecos e abraçando uma técnica mais tradicional, na qual tudo é feito com carvão em papel.
“Acredito que todos os elementos de um livro devem cooperar para contar a história. A escolha das ilustrações e dos materiais está diretamente ligada à busca para expressar essa história da melhor maneira possível”, afirma. “No caso de ‘A Mamãe do Pintinho’, achei que o carvão combinasse com a natureza de uma gata de rua.”
Na narrativa, a gata arruaceira e mal-encarada, descrita como “gorda, faminta e egoísta”, come um ovo surrupiado de um galinheiro. Só que de repente sua barriga começa a crescer. A cada dia fica maior, num processo que lembra uma gravidez. Até que a felina sente uma vontade imensa de fazer cocô —mas acaba expelindo um pintinho no processo, como se tivesse parido a pequena ave.
A história pouco óbvia e a técnica diferente, porém, não deveriam surpreender tanto assim. Em 2020, quando venceu o Alma, sigla do Astrid Lindgren Memorial Award, um dos maiores prêmios internacionais da literatura infantojuvenil, a autora afirmou que gosta justamente dessa imprevisibilidade. E que busca a todo instante fugir de padrões, expectativas e moldes.
“Sempre tive dificuldade para me adaptar a uma sociedade realista”, conta agora por email. Por isso afirma ter se aproximado do mundo dos livros. E também começado a criar as próprias histórias e a investigar maneiras diferentes de contá-las e apresentá-las.
Essa busca por novas linguagens colocou seu nome entre os mais badalados da atual geração de autores sul-coreanos de literatura infantojuvenil e livro ilustrado —grupo que vem lotando livrarias do Brasil e do mundo com seus lançamentos e abocanhando prêmios importantes pelo caminho. Enquanto Baek ganhou o Alma, sua conterrânea Suzy Lee foi laureada em 2022 com o Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura para esse público.
Mas os resultados estão longe de ser um acaso. Os troféus vêm no bojo de um projeto mais amplo do governo asiático, que nas últimas décadas tem investido pesado no fomento e na exportação de sua indústria cultural, num movimento global que pode ser visto também na explosão do k-pop e dos k-dramas e em sensações audiovisuais como “Parasita” e “Round 6”, por exemplo. Consolidada como política de Estado, a onda coreana recebeu até nome: “hallyu”.
“Acho que chegou a hora. É o momento para que novos autores floresçam. Muitos predecessores abriram o caminho e, em cima desse solo, uma nova geração se tornou adulta e agora pode estrear”, projeta Baek.
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Fonte: Uol