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Felipe Hirsch vislumbra o desencantamento do mundo. “Eu nunca fui muito feliz, não tenho saudade de nenhum momento da minha vida. Tantos amigos meus partiram, tantas pessoas que eu amava, que eu não tenho mais medo de fantasmas”, afirma um dos mais importantes diretores do país, admirando o palco do Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, sequestrado por um absoluto vazio.
Ali, sua companhia Ultralíricos, fundada há 11 anos, vai terminar, ele anuncia, com a estreia da peça “Agora Era Tudo Tão Velho – Fantasmagoria 4”, marcada para a noite desta quinta-feira, como parte da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Após a MITsp, a peça entra em cartaz na próxima semana.
Hirsch continuará trabalhando com as mesmas pessoas, mas numa companhia diferente, com outro nome e uma nova linguagem. Faz tempo ele aviva, em seus projetos, os espectros que atormentam a sua mente. Alçada ao título, a fantasmagoria faz referência à herança cultural do Ocidente, um fardo para quem deseja criar no mundo contemporâneo.
São livros, discos, filmes, sobretudo artistas, cujas vozes subsistem em ecos aterradores. Não haveria melhor lugar do que o teatro caixa-preta para ouvirmos os nossos mortos. “Palavras, palavras, palavras”, diria Hamlet, na tragédia de William Shakespeare. Num mundo de pestes e guerras, tudo perde o valor e o seu significado.
Por isso, Hirsch encena agora o vazio, numa peça sem trama, sem cenário, sem nada. O despojamento visual é uma novidade e representa uma quebra estética, tão necessária ao recomeço da companhia. “Queria criar um espetáculo que fosse difícil de enquadrar, difícil de segurar”, diz o diretor. “São momentos de poesia que se acumulam durante a encenação.”
Em outras palavras, a peça consiste em uma sequência de jogos cênicos. Ao todo, são sete atores, interpretando diferentes personagens. Em geral, os episódios tematizam a inutilidade da arte, um tema importante para quem estuda a produção poética contemporânea. Tanto que Hirsch partiu do ensaio “Inutensílio”, escrito, em 1986, por Paulo Leminski para estruturar a nova fantasmagoria.
No texto, o autor critica a necessidade capitalista de atribuir uma finalidade a tudo. A poesia seria, então, oposta ao pensamento burguês, pois não serviria ao utilitarismo. Do mesmo modo, o criador passa a questionar sua razão de ser no mundo. “O artista é um desempregado crônico que tem o grande privilégio de pensar o mundo de uma maneira sensível”, afirma Hirsch.
“Vivemos uma época obscurantista e estúpida com Bolsonaro. A posição que você tem de ter no Brasil é a humanista. O Brasil não pode esquecer de ser inteligente, não dá para discutir se a terra é plana.” Numa das cenas incluídas na peça, o ator Danilo Grangheia se senta numa cadeira projetada por Geraldo de Barros e começa a contar uma fábula que nunca termina.
À história de um rei derivam infinitas digressões, sobre os mais absurdos assuntos, até que a fábula fique sem sentido nenhum. Em outra cena, o ator explora a paronomásia, figura de linguagem na qual o enunciador usa palavras semelhantes para produzir uma brincadeira sonora.
Assim, o termo “capazes” se torna “capatazes”, e Ferdinand de Saussure, teórico que contribuiu para o desenvolvimento da linguística, é chamado, numa ocasião mais abobada, de Ferdinando Salsicha. Em última análise, a sensação é de que todas as palavras escapam, sendo a realidade inapreensível. Enquanto isso, a atriz Amanda Lyra entra e sai de cena algumas vezes, ecoando os fantasmas que erigiram a história do teatro ocidental.
Nesse sentido, “Agora Era Tudo Tão Velho” se assemelha às demais peças da Ultralíricos. A encenação surge dos livros. A dramaturgia de Hirsch se inspira em textos da autora japonesa Sei Shonagon ou do cineasta italiano Andrea Tonacci, que se tornou mais conhecido por “Bang Bang”, de 1971, filme homenageado na peça. Em 2013, a Ultralíricos surgiu com a tetralogia “Puzzle”, um quebra-cabeça literário que tentava traduzir um país sacudido pelas Jornadas de Junho.
Em seguida, vieram as peças “Tragédia Latino-Americana” e “Comédia Latino-Americana”, estudos sobre a literatura do nosso continente, além de “Selvageria”, “Fim” e “Língua Brasileira”. Agora, o despojamento cênico e a primazia da literatura não levam, porém, a uma simplificação do conteúdo da peça. Influenciado pela ópera, Hirsch já não vê diferenças entre as linguagens artísticas.
“Não existe nada mais importante na minha vida do que a música”, diz Hirsch, que incluiu na peça uma trilha sonora ao vivo, composta por Kiko Dinucci e Maria Beraldo. “Experimento na peça a relação entre palavra e música”. Seu interesse por outras artes transborda para a carreira. No cinema, Hirsch dirigiu “Severina”, de 2017, e “Insolação”, de 2009. Atualmente, ele trabalha num roteiro com Wagner Moura sobre a experiência de Paulo Freire no sertão nordestino.
Nos palcos ou nas telas, Hirsch quer experimentar. “As pessoas costumam dizer aquilo que o público quer ouvir”, afirma. Nesse ínterim, o diretor vai criar um novo jeito de fazer teatro, ainda atormentados por fantasmas. “Para onde vou, eu não sei.”
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Fonte: Uol