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Semana passada eu escrevi sobre uma experiência que vivi. Tenho essa mania de escrever sobre coisas que vivo. O faço porque minha síndrome da impostora me impede de me compreender expert em qualquer outra coisa. E por mais que esta seja uma coluna de “opinião”, entendo que é necessário conhecimento até para se ter opinião sobre as coisas. Costumo dizer que na mesa do bar, entre amigos, tudo cabe, mas palavras impressas no jornal têm um peso diferente daquelas lançadas ao ar entre goles de cerveja.
Escrevo portanto em primeira pessoa porque encontro algum nível de confiança somente quando falo de mim. Se sei um pouco de muita coisa, sei que sei muito de mim mesma, das coisas que sou e vivo.
Pois bem, semana passada usei este mesmo espaço para falar mais uma vez de mim e de uma experiência que vivi. O episódio havia acontecido dias antes. Nele, um homem, sentado à minha frente no vagão do metrô, me olhava insistentemente. Quando ousei mostrar algum descontentamento, ele sorriu de forma desafiadora e seguiu me encarando. Até que reuni coragem suficiente para sair do trem e o vi acenar na minha direção enquanto o trem partia.
Inconformada com o medo que senti diante de um estranho armado apenas com um olhar e um sorriso, mas munida da certeza de que a história encontraria eco na experiência de tantas outras mulheres, resolvi relatar o ocorrido.
Para evitar polêmicas desnecessárias, evitei palavras como “assédio” ou “violência”. Também não dei detalhes sobre o homem, nem o chamei de agressor. O foco da história, afinal, não era ele, mas eu e essa revoltante vulnerabilidade diante do que, ao olhar alheio, não parecia se tratar de absolutamente nada.
Publiquei o texto sem pestanejar. Afora o título, que incluía um palavrão de baixa gravidade, o relato em si não me parecia particularmente provocativo, apenas mais um dia na vida de uma mulher. Mas não demorou mais do que algumas horas para que a seção de comentários me provasse o contrário. Ali, além das já previsíveis reclamações acerca do linguajar do título, era possível encontrar dezenas de comentários de homens que correram para relativizar o ocorrido.
“Parem as máquinas, fui paquerada no metrô! Que opressão! Não saia de novo sem tomar os remédios” dizia um deles.
Outros chegavam a questionar a veracidade do relato.
“A escrevente não estava nesse trem, pura imaginação, não tinha nada para escrever e entrou na onda de demonizar os homens.”
Ao ler estes comentários, entremeados por outros de mulheres fazendo coro ao medo que senti, cheguei a uma conclusão. Se basta um olhar para causar medo numa mulher, basta um apontar de dedo na direção de um homem para causar medo em quase toda a classe masculina. O tal homem apontado nem precisa ter nome, o ocorrido nem precisa ter sido grave, o relato nem precisa ser dos mais controversos. Mas o simples ato de apontar o dedo lá para aquela direção já configura afronta suficiente para que o exército se levante em nome da honra masculina.
Nesse mesmo dia, me deparei com a notícia da condenação do jogador Daniel Alves pelo estupro de uma mulher em Barcelona em 2022. Um caso amplamente noticiado, de extrema violência, cujas evidências contra o acusado vão de registros das câmeras de segurança do local a exames médicos e análises de material genético. Ainda assim, mesmo diante de uma montanha de provas, durante todo o processo duvidaram da vítima. De anônimos a “parças” famosos, homens brotaram do chão para questionar, relativizar, descredibilizar, duvidar.
Não à toa, relatos dão conta de que ao ser informada sobre a sentença, a vítima apenas repetiu para si mesma enquanto chorava: “Acreditaram em mim, acreditaram em mim, acreditaram em mim”.
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Fonte: Uol