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Em “O Perfume das Flores à Noite”, seu primeiro livro de não ficção publicado no Brasil, a franco-marroquina Leila Slimani se desdobra entre a necessidade de ficar trancada em casa para escrever e a vontade, e o medo, de viver o mundo lá fora.
O livro é parte de um projeto da editora de Slimani —a casa convidou alguns dos escritores que representa para passarem a noite em um museu e transformar a experiência em livro. No caso da franco-argelina, o museu é o Punta della Dogana, em Veneza. Mesmo a contragosto, por entender que deveria continuar se dedicando ao romance no qual já vinha trabalhando, a autora aceita.
Situado em um armazém das docas do século 17, o Punta della Dogana foi restaurado pelo premiado arquiteto japonês Tadao Ando e se tornou um espaço que recebe arte contemporânea.
Embora a oportunidade de estar num museu vazio possa causar inveja naqueles que se frustram com exposições lotadas, isso pode não chamar muito a atenção de Slimani.
A escritora não é exatamente uma entusiasta das artes plásticas, que, ao contrário dos livros e do cinema, entraram tarde em sua vida. Tampouco se sente confortável em museus, que entende como “derivados da cultura ocidental, um lugar elitista cujos códigos ainda não adquiri”.
Para a autora, o que vale no experimento é sobretudo a possibilidade de estar sozinha em segurança. Sua visão, talvez um pouco rígida, sobre a necessidade de praticar uma reclusão rigorosa, soa por vezes esotérica e transmite a ideia de que o processo de escrita se apodera da escritora, e não o contrário. Os romances são para ela “como um tumor que cresce e toma o controle de todo o seu ser”.
Slimani duvida da própria capacidade para interpretar as obras ao mesmo tempo em que reconhece que atacar a arte conceitual seria uma banalidade. Ela vai consciente de que o convite para os visitantes elaborarem suas impressões sobre os trabalhos, por meio das suas memórias e interações com eles, é parte fundamental da brincadeira.
Quando, apesar das hesitações, resolve se entregar, oferece os melhores momentos do livro. A cortina vermelha de Félix Gonzáles-Torres, artista cubano morto em decorrência da Aids, que tem uma série de trabalhos em torno da doença, desperta nela a vulnerabilidade que sente em relação ao próprio corpo. Além disso, a lembra de Adèle, a ninfomaníaca que amava ser maltratada que protagoniza seu primeiro romance, “No Jardim do Ogro”.
O cheiro de dama-da-noite que perfuma o museu ao ser exalado por uma obra de Hicham Berrada —também ele franco-marroquino— é o mesmo que ela sentia perto da porta da casa em que morava com a família, em Rabat. Ao evocar sua juventude, a escritora se lembra das noites que passava com os amigos, momentos em que podia observar mulheres produzidas e figuras excêntricas, e oscilava entre a sensação de culpa e fascínio pelas possibilidades de subversão.
Slimani entende artistas como demiurgos. A americana Roni Horn congela o fluxo ondulante da água. O francês Philippe Parreno “traz os mortos de volta à vida”. “Não é o que eu tento fazer com meu romance?”, ela se pergunta.
Ao associar essa “fantasia de se apropriar do inapreensível” à experiência de começar um novo livro, a autora enaltece o poder da escrita. A escolha que fez para sua vida lhe permite ampliar seu espaço interior; vingar a morte do pai, que foi preso injustamente e morreu logo depois de solto; e combater a opressão sofrida pelas mulheres, especialmente árabes, que sofrem com contextos ainda mais machistas.
Em alusão a Emily Dickinson, conhecida como a “rainha reclusa”, Slimani pondera sobre a experiência de ser trancada no quarto para ficar quieta. Sua escrita faz justamente o contrário. Fala mais longe, com mais gente e com mais precisão.
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Fonte: Uol