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Nos filmes de Michael Mann, um homem —por vezes mais de um— busca o seu destino. Chega a uma encruzilhada por necessidade ou paixão e precisa encontrar seu caminho. Enzo Ferrari, interpretado por Adam Driver, não poderia ser um personagem melhor.
Lá está ele, às voltas com a necessidade de fazer carros perfeitos, melhor que os de seus concorrentes, e de entregar esses veículos a pilotos de quem Ferrari exige não só que corram, mas que vençam.
É preciso sublinhar que os carros daquele tempo eram bem diferentes dos que conhecemos hoje. Para começar, os pilotos corriam com um capacete e roupa esportiva. Nem cinto de segurança tinham, e a morte era comum.
Não é de espantar, portanto, que Ferrari, ele mesmo antigo piloto, viva acompanhado por muitos fantasmas —o dos amigos que morreram, de pilotos que falharam, e sobretudo de seu filho Dino, que morreu em 1956.
Os pilotos eram sócios nessa paixão. Sabem do perigo que correm, mas não podem evitá-lo. Também para eles existe um correr atrás do destino. Fazem tudo para estar sentados num Ferrari, mas isso significa sofrer a pressão permanente do Comendador, como Enzo Ferrari era conhecido.
Diferentemente dos de hoje, que são antes de tudo aplicados trabalhadores, os corredores daquele tempo eram com frequência playboys um tanto nobres e um tanto milionários suspensos entre a vitória, vista como glória, e a morte. Tinham em comum com os de hoje o hábito de levar garotas bonitas para as corridas.
Durante uma sessão de testes, morre um piloto, Eugenio Castellotti. A morte de Castellotti, segundo consta, foi creditada à obsessão pela vitória de seu patrão, Enzo Ferrari. Vale lembrar que a morte de Ayrton Senna também é creditada ao mesmo tipo de obsessão.
Ferrari sofre pressões terríveis. No círculo familiar, tem de se entender com sua mulher, Laura, vivida por Penélope Cruz. É a mãe de Dino, com quem ele não se dá há muito, embora seja sua sócia na fábrica. Ao mesmo tempo, ele tem uma amante de longa data, Lina, com quem tem um filho de dez anos, Piero.
São personagens com trajetos muito diferentes entre si, que Mann une magnificamente, durante uma única ária de ópera —o passado e o presente, o ponto central sobre o qual o filme se equilibra.
Na vida profissional, as coisas não estão muito melhor para o Comendador, diga-se. Além da morte do piloto, a Ferrari se encontra em estado quase falimentar. Sua única opção é vencer as Mille Miglie, mil milhas, para valorizar a marca. E Enzo não se entrega ao, digamos, mercado. Despreza, por exemplo, a Jaguar, que venceu as 24 Horas de Le Mans. Afinal, diz ele, a Jaguar quer ganhar corridas só para vender carros.
Ele é o inverso. Precisa vender carros para continuar ganhando corridas. É um obstinado em busca da perfeição. Com a corda no pescoço, precisa vencer mais ainda.
Tudo isso acontece num período curto de tempo —o momento em que seriam disputadas as insanas Mille Miglie, corrida de rua e estrada, onde, como diz Ferrari, o maior perigo para os corredores são as crianças e os cachorros na pista. A corrida teria sua última edição em 1957, precisamente e não por acaso.
Nessa edição, para substituir o piloto que havia morrido, Ferrari dá o lugar a Alfonso de Portago, playboy espanhol tão célebre que namorava a atriz Linda Christian, mais famosa por sua beleza, e aqui se mostra um traço curioso de Ferrari. Ele não gostava de atrizes perto dos carros. Nenhum moralismo nisso. Entendia que elas chamavam mais atenção do que seus automóveis.
Essa obsessão pelo carro, sua perfeição, sua performance, o marcam tanto quanto os fantasmas que o cercam, os vivos e os mortos. Michael Mann faz, assim, um filme de fatura clássica, como é seu costume, admirável, entre outras coisas, por optar pelo trágico em vez da psicologia.
Para isso, conta com um Adam Driver que raramente deixa a câmera adivinhar seus sentimentos e uma Penélope Cruz belamente imutável em seu costume de luto eterno. Como é hábito em Mann, a ação é que conduz os caminhos de seus heróis. A ação é que traça a linha dos destinos que perseguem.
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Fonte: Uol