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Depois de ter visto os planos de se transformar em um empresário da hotelaria desmoronarem com a pandemia, Alex Atala diz estar pronto para um dos maiores desafios de sua longa carreira —que conta com o seu mais famoso restaurante, o paulistano D.O.M., a celebrar 25 anos de vida em 2024.
O chef estreia como sócio do Resid Club & Hotels, um grupo de hospitalidade que vai contar com hotéis próprios e serviços exclusivos para os seus membros. Há seis anos, ele anunciou o lançamento do Hotel D.O.M., um empreendimento com 35 andares em São Paulo que acabou não saindo do papel.
“Demorou, mas agora vai acontecer. É um sonho antigo”, diz à Folha o chef mais premiado do país, em entrevista por vídeo, feita a partir de uma lanchonete de estrada fluminense. É não muito longe dali que ele e mais quatro sócios vão dar o primeiro passo: o hotel inaugural do grupo será em Búzios, na Ilha Rasa, e deve ser aberto até o fim do ano.
Com cerca de R$ 35 milhões em investimentos captados, o Resid Club & Hotels atua com espaços de hospedagem próprios (e os planos são expandir por todo o país), benefícios em hotéis parceiros e experiências exclusivas, como workshops, viagens e degustações pelo mundo.
Atala diz estar feliz com a nova empreitada, na qual será responsável por toda a parte de gastronomia. Conta que tem uma vida muito mais equilibrada hoje —”passo mais tempo com meus filhos e meu pai do que nunca”—, mas esbraveja quando se cogita que ele está se aposentando das cozinhas. “São as pessoas que querem me aposentar, eu não tenho esse objetivo”, retruca.
Tanto que, com a volta do Michelin ao Brasil após um hiato forçado pela pandemia, ele se mostra confiante com a possibilidade de ganhar a terceira e cobiçada estrela —a cotação máxima do guia francês— para o D.O.M.
“É uma questão de tempo”, afirma. Na conversa com a Folha, ele falou sobre prêmios e listas, as agruras de manter um restaurante por mais de duas décadas no Brasil e seus desafios como empresário em um país que é “um mar turbulento”, como define.
O que significa completar 25 anos de um restaurante no Brasil, tendo passado por tantas crises políticas, econômicas e até uma pandemia? Eu acho que é consistência, resiliência, sobreviver num mar turbulento. Olhando para o passado, confesso que, se eu tivesse consciência dos desafios, eu teria me acovardado. Eu não consigo explicar por que o D.O.M. deu certo, mas ele dá certo, ele funciona. É um restaurante pequeno, com pouco mais de 40 lugares. Para uma cidade do tamanho de São Paulo, com milhões de habitantes, não era algo impossível. A nossa maior adversidade nunca foi manter o restaurante vivo. Foi manter a empresa bem, o que é um desafio grande em um país como o Brasil. Mas ao mesmo tempo, eu acho que o D.O.M. só podia estar aqui. É o único lugar do mundo que aceitaria um restaurante assim.
É por isso que você não quis abrir o D.O.M. ou outro restaurante fora do Brasil? Eu tive algumas conversas, mas nunca assinei um contrato. O meu ponto forte sempre foi mostrar o Brasil, ter ingredientes brasileiros. Ao contrário de outros países, o Brasil sempre foi uma potência em exportar sua cultura, mas nunca seus ingredientes. Esse é o principal fator para a gente não ter muitos restaurantes brasileiros fora do Brasil. Fazer a comida brasileira lá fora sempre foi uma adaptação dos produtos. Uma feijoada fora do Brasil nunca tem gosto igual. Eu sempre me recusei a sair do Brasil para não ter de fazer um trabalho que não fosse autêntico brasileiro. Eu tive excelentes propostas, mas não aceitei. E não me arrependo. Não por causa do dinheiro, claro, mas porque não conseguiria um resultado que me faria orgulhoso.
Mas e como vê chefs brasileiros abrindo restaurantes no exterior, como a Manu Buffara, o Rodrigo Oliveira, entre outros? Eu acho que o Brasil precisa disso. Quando mais chefs abrem restaurantes brasileiros fora do Brasil, abre-se também uma janela para a gastronomia e para o ingrediente brasileiro. As dores que eu tenho de não ter conseguido chegar a esse ponto é não levar a cultura e o homem por trás desses ingredientes. Que uma farinha de mandioca, uma rapadura ou um tucupi fossem consumidos mundialmente, e a gente podia ver pequenos produtores com as suas vidas modificadas. Sempre disse, desde meu primeiro livro, que meu sonho era ver ingredientes brasileiros por todo o país, e hoje há tucupi no Santa Luzia [supermercado em ária nobre de São Paulo]. Quem sabe agora, com essa projeção internacional [de outros chefs], não possamos tê-lo também numa Harrod’s [loja de departamento inglesa] da vida?
O seu nome abriu as portas para esse caminho que eles estão traçando hoje?
Sem modéstia nenhuma, eu não tenho o menor problema em assumir isso. Mas não podia fazer nada sozinho. E eu me senti um lobo solitário por muito tempo. Não estou aqui me desculpando e nem tacando pedra nos outros. Há muitos anos, eu falava que o maior inimigo da cozinha brasileira se chamava Alex Atala, que ela não podia estar atrelada a uma só pessoa. Chegou esse momento. Em todo lugar que você for, todo mundo vai falar do Alex Atala? É fato. Graças a Deus! Mas, já não sou só eu, há muita gente vindo, mostrando seu valor. E não falo só de cozinheiros. [A gastronomia] precisa de jornalistas, ela precisa de apoio do governo, principalmente, que incentive também a indústria e ajude a levá-la adiante.
O que você acha que mudou na cena nacional de restaurantes nas duas últimas décadas?
Ela não mudou, ela se transformou. Corremos em uma nova raia. O Brasil tem um potencial gastronômico gigantesco e uma vitrine absurda para o mundo. Acho que falta a gente se unir e gritar por essas coisas. O dia que o brasileiro deixar de ficar olhando os vizinhos mais fortes e olhar as nossas riquezas, seremos imparáveis.
Acha que as premiações, como o 50Best e o Michelin, que estão acontecendo no Brasil podem ajudar? O simples fato de o evento ser aqui já coloca o Brasil em um outro momento. Durante anos, briguei um pouquinho —ou muito— para que essas coisas viessem ao Brasil, e eu só escutava o eco da minha voz. É fundamental o Brasil ser sede desses eventos e se integrar mais com a América Latina, fazer das nossas barreiras ou das nossas dificuldades —sejam elas linguísticas, econômicas, políticas, não serem as desculpas para nossa gastronomia não andar ou não chegar aonde deveria. Os outros países [do continente] estão mandando muito bem nos vinhos, na comida, na divulgação de suas culturas. E o Brasil foi ficando para trás.
Como analisa o papel de guias e listas para a gastronomia?
As listas são a maior porta de entrada para o cara que está começando, por isso são fundamentais para a cozinha brasileira. O Michelin é mais estável, menos novidadeiro. Quando o Michelin veio para o Brasil, as pessoas o trataram como um genérico. Está provado que os caras têm um trabalho sério e fundamental para o desenvolvimento da gastronomia. E quando a gente fala da gastronomia não é só do restaurante. A gente fala de vinho, a gente fala desse conjunto que é comer e beber. Gerar emprego, formar, reforçar cultura.
Uma vez você disse que tinha duas questões em aberto na sua vida: não ter tido o D.O.M. como o melhor restaurante do mundo nas listas do 50Best e não ter ganhado três estrelas do Michelin. Já fez as pazes com os prêmios? Eu não briguei com eles. Nunca fiquei magoado com o Michelin porque ainda não me deram 3 estrelas. Até porque eu ainda quero continuar com esse sonho de buscar as minhas 3 estrelas. Eu não desisti delas. Ser o melhor restaurante do mundo, eu acho que não vou ser mais. Mas as 3 estrelas eu ainda quero ter.
Vai seguir brigando por elas? Eu vou brigar por isso até o último dia da minha carreira. Tenho a certeza que vou ter [as 3 estrelas]. É só uma questão de tempo.
Você acha que os cozinheiros trabalham muito pelos prêmios hoje? E têm que trabalhar. Só não pode ser a única razão do porquê você acordar todos os dias. O seu sucesso não pode ser medido somente por prêmios. O Michelin vai ser sempre o maior sonho de um chef, mas um prêmio não pode ser nunca um motivo de depressão, de te fazer tirar a sua vida.
Com os novos planos como empresário, você pensa em ir, aos poucos, se aposentando das cozinhas? Às pessoas que querem me aposentar: eu não estou me aposentando. Tenho uma equipe incrível que não depende de mim, o que é ótimo. Eu que dependo deles para meus negócios e estarei sempre aqui para eles. Temos de entender que a cozinha brasileira não precisa só de atacantes. Nós precisamos deixar os outros jogarem, e é o que estou fazendo com meu time, o que não significa que estou saindo de campo.
Mas está buscando ter uma vida mais equilibrada, certo? Muito. Eu mergulhei na gastronomia, fui até o fundo. Eu vivi só a gastronomia por 25 anos. Hoje vivo uma fase junto com meus filhos, com o meu pai de 87 anos, com a minha mãe e os meus irmãos, de conseguir ter um equilíbrio melhor nas coisas. Durante muitos anos, eu cuidei de ingredientes e espremi pessoas para fazer uma comida melhor para os meus clientes. Hoje, na mudança da minha condição, o meu esforço não está mais em ser o chef de cozinha, mas tentar gerir as coisas da melhor forma para mim e minha equipe.
É uma mudança geracional da gastronomia também, não? A minha geração foi educada sob tirania. Talvez tenhamos começado a nossa carreira carregando o ranço da formação em que aprendemos ser bravos, exigentes. Hoje quero acreditar que trazemos uma nova maneira de se relacionar com os clientes, com os funcionários e com os fornecedores.
Como tem sido essa sua nova fase de empresário hoteleiro, depois de ter tido restaurantes, alguns que fecharam, outros que seguem abertos até hoje? Eu tenho esse sonho de hotel não é de hoje. É um sonho antigo. Eu comecei a planejar o D.O.M. num hotel no Brasil em São Paulo e tive que vendê-lo por causa da pandemia, mas o sonho persiste. Agora, ele vai ganhar outra roupa, em outro lugar, com novo formato.
Mais do que como chef, o que aprendeu nesses anos como empresário? Que não tem mal que dure cem anos. Há muitos anos atrás, fiquei devendo um montão, mas a fase ruim passou. Na vida do empresário, o medo é uma necessidade, ele nos move se não se tornar um pânico. Durante a pandemia, eu tive um “down” emocional grande e quem me sustentou foi a minha equipe. Hoje, se o D.O.M. está aberto, bonito, reformado e com cardápio caprichado fazendo 25 anos é porque tem uma equipe incrível. E, nesses anos todos, eu aprendi a valorizá-la ainda mais.
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Fonte: Folha de São Paulo