[ad_1]
“Estrela da Manhã” é o primeiro livro de uma nova série de Karl Ove Knausgard, escritor norueguês que alcançou reconhecimento mundial com a sua autobiografia. Talvez por ser uma abertura de ciclo, o livro desenvolve várias histórias em paralelo, todas narradas em primeira pessoa, guardando, por ora, poucos pontos de contato entre si.
São histórias de pessoas comuns em momentos de crise: uma pastora que suspeita de uma gravidez no momento em que pensa em deixar o marido; um documentarista que não finaliza seus trabalhos e tem de lidar com o filho de um casamento fracassado; uma adolescente que, com o divórcio dos pais e a mudança de cidade, sente dificuldades para se relacionar com os colegas; um jornalista policial que é rebaixado para a área de cultura porque entregou uma fonte à polícia; uma enfermeira que tem uma mãe com Parkinson e uma filha problemática etc.
A expectativa, naturalmente, é de que o amplo arco de histórias se complete ao final, como num quebra-cabeças.
A escrita de Knausgard é clara. Isso se traduz tanto na objetividade de sua narração como na minúcia de suas descrições, nas quais os eventos mais banais, como fazer compras no supermercado, andar de carro ou limpar o bebê são relatados em todas as suas etapas. Já as personagens são bem definidas sobretudo porque têm histórias de vida previsíveis, que por vezes dão até a impressão de déjà vu: será que já não li esse livro, ou vi algum filme baseado nessa história?
Essa sensação surge várias vezes ao longo da leitura do livro. O que não significa que não haja surpresa ou interesse nessas histórias comuns —ao contrário, quanto mais mergulhamos no cotidiano dessas figuras, mais queremos saber a respeito delas, como se espreitássemos um reality show. A identificação com elas é, nesse sentido, menos imediata do que inevitável, decorrente da longa convivência.
A despeito da narração naturalista ou até hiper-realista, as várias histórias pessoais vão sendo polvilhadas de incidentes incomuns, de uma grandeza diversa da cotidiana. A manifestação mais constante disso, ainda que não a mais surpreendente ou terrível, é o surgimento de uma estrela gigante no céu em um verão de temperaturas extremas. O realismo se defronta então com um elemento que tanto pode ser natural —uma supernova, por exemplo— quanto um prodígio, um sinal do além.
A narrativa plana vai aos poucos, assim, ganhando um contorno contrastado, uma sombra, talvez mesmo uma potência sobrenatural ou mística. O enriquecimento do conjunto das histórias é notável. E não é apenas a grande estrela que atravessa os eventos banais das vidas de todas aquelas pessoas que espiamos: uma miríade de fenômenos inexplicáveis se abate sobre elas, desde alucinações, espectros que antecipam a própria morte, comas sem causa, invasores noturnos, assassinatos rituais, culminando com aparições de humanoides com feições animalescas.
Toda essa estranheza se dispõe sem que o livro se transforme em ficção mágica exatamente, pois o universo das pessoas não ganha nenhum foro extraordinário —tudo continua a funcionar no mundo que conhecemos e na banalidade que reconhecemos, da música pop ao colapso ambiental. Por isso também histeria, depressão, ansiedade e paranoia seriam formas razoáveis de explicar o progressivo desarranjo do quadro.
É também verdade que o livro busca uma densidade metafísica e mística que é duvidoso que alcance. Talvez isso se dê por causa daquilo mesmo que faz o seu sucesso no mundo todo: a estrutura episódica e realista nos faz querer avançar na história, conhecer o futuro de cada personagem. Queremos encaixar as peças e dar cabo do quebra-cabeças mais do que descobrir a eventual profundidade simbólica depositada em figuras xamânicas. E, de fato, quando sabemos que esse é apenas o primeiro volume de uma nova e longa série viciante, somos tentados menos a nos debruçar sobre este primeiro volume do que a esperar pelo próximo.
[ad_2]
Fonte: Uol