[ad_1]
O legado da artista sueca Hilma af Klint, morta há 80 anos, está em disputa na Justiça sueca, envolvendo seus herdeiros, a fundação responsável por sua obra, uma editora e seguidores de uma doutrina esotérica seguida pela artista. Sua família diz que NFTs de algumas telas foram vendidas irregularmente e contratos com a editora Stolpe foram firmados sem o aval da presidência da fundação.
Nos últimos anos, Af Klint foi resgatada como fenômeno no mercado internacional. Em 2018, Luciana Pinheiro, uma das principais especialistas na obra da artista, guiou centenas de brasileiros numa mostra dedicada a ela na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Também lançou a biografia “As Cores da Alma” e ministrou palestras, em diversos países, sobre a importância do seu trabalho, pioneiro no abstracionismo.
Até então, Pinheiro tinha interlocução com a Fundação Hilma af Klint, em Estocolmo, que a ajudava com todo o material necessário à sua pesquisa. De repente, tudo mudou. “Nunca mais recebi uma resposta da família, achei muito estranho”, diz. Pouco tempo depois, soube da briga judicial que motivara o silêncio.
Af Klint deixou um testamento, indicando como sua obra deveria ser administrada. Ela escreveu que suas telas, feitas entre 1906 e 1915, não poderiam ser vendidas e previu a criação de um conselho, com familiares e membros da escola antroposófica —segundo Pinheiro, corrente mística ligada ao ocultismo da qual a artista fazia parte. Segundo a doutrina esotérica, os homens devem superar o mundo material, porque a realidade é essencialmente espiritual.
Historicamente, os familiares e os antroposóficos têm uma relação tensa, com mútuas acusações e disputas pelo controle da fundação. A briga mais recente aflorou quando, há cinco anos, o escritor e líder espiritual Kurt Almqvist entrou no conselho, injetando, por três anos, 1,44 milhão de coroas suecas —mais de R$ 670 mil na cotação atual— na fundação, para contratar um diretor e um assistente.
“Usaram esse dinheiro para contratar uma única diretora e excluíram a gente, da família, de todas as decisões”, diz Erik af Klint, sobrinho-bisneto da artista e atual presidente da fundação. Na época, era sua irmã, Ulrika, que ocupava o cargo.
Num documento enviado à corte sueca, a família afirma que Almqvist, com o grupo antroposófico, firmou contratos sem a anuência dos descendentes da artista. Entre eles, uma série de livros sobre ela publicada pela Stolpe, selo que tem Almqvist como autor de várias dessas edições.
Do mesmo modo, o grupo, em nome da fundação, firmou parceria, há dois anos, com a Gallery Digital Assets, empresa do cantor Pharrell Williams, para comercializar NFTs com as telas da artista. Erik af Klint afirma que a família só viu os contratos um ano depois e que não recebeu um tostão desses projetos.
A disputa só cresceu desde então e foi parar no jornal The New York Times, numa reportagem publicada em agosto. Almqvist deixou o conselho pouco depois da venda dos NFTs. Agora, corre na Justiça sueca um processo que decidirá se os atuais antroposóficos, ligados a Almqvist, podem ou não permanecer no conselho. Alegando irregularidades nos contratos, a família diz que o grupo quer ter o controle exclusivo da fundação.
Num email, Almqvist negou as acusações, dizendo que os familiares tentaram difamá-lo na mídia internacional. Ao jornal americano, ele afirmou que a família já não pode controlar a cessão de direitos autorais referentes à obra de Af Klint. De acordo com a lei sueca, a necessidade de licenciar os direitos com a família expira após 70 anos da morte do artista.
Em meio ao sucesso, o momento é de incerteza para o futuro do trabalho de Af Klint. A briga só faz adiar a iniciativa dos antroposóficos de construir um templo para abrigar as telas.
“Creio que, em mais dois anos, não teremos mais dinheiro para manter a fundação”, diz Erik af Klint. “Meu medo é que, no final da disputa judicial, vendam as obras de arte”, afirma Pinheiro, a biógrafa brasileira. Segundo a família, o processo, que decidirá a formação do conselho, deve durar mais um ano.
Pinheiro tem um olhar ponderado para a disputa. Ela afirma que, mesmo após quatro anos da expiração dos direitos, foi obrigada a pagar o equivalente a R$ 11 mil para reproduzir as obras em seu livro. “Hilma queria fazer com que todos pudessem ter contato com sua obra. As iniciativas com a Stolpe democratizaram as suas telas”.
Os recentes estudos louvam o pioneirismo de af Klint. Antes de Wassily Kandinsky, suas telas já pareciam abstratas, sugerindo formas entre o mundo espiritual e o físico, algo que é bem particular da antroposofia.
Segundo a artista, a pintura era um exercício de mediunidade. Enquanto era viva, ela sofreu a desaprovação dos familiares por aderir ao esoterismo. Afirmam até que sua obra nada tem a ver com a antroposofia.
Ela dizia ouvir vozes de guias espirituais e de pessoas mortas. Daí surgiam as telas que combinam as cores fortes, que tanto emocionam o público. Pouco antes da pandemia, a mostra dedicada ao seu trabalho no Guggenheim, em Nova York, se tornou a mais vista da história do museu.
[ad_2]
Fonte: Uol