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À primeira vista, estamos diante de um filme que causa impacto em quem o vê. Afinal, “Zona de Interesse” resolve, finalmente, a questão proposta numa crítica hoje clássica de Jacques Rivette, que se perguntava como representar o Holocausto.
O que mais revoltou o francês no filme “Kapò” foi um travelling —movimento em que a câmera se desloca— que progressivamente aproximava o espectador da cena no momento mais dramático, a morte. Eis o que Rivette considerou “abjeto”.
O fascinante em “Zona de Interesse” é justamente como o diretor Jonathan Glazer consegue vincular o horror de um campo de extermínio nazista, Auschwitz, à graça da vida burguesa de uma família alemã.
A família vive exatamente ao lado do campo, numa casa arejada, bonita e confortável. É a família de Rudolf Höss, seu administrador. Todo o filme se desenrolará como um vasto extracampo —figura que designa algo que está fora da cena, mas é muito importante. Nunca vemos o campo e seus horrores, mas todo o tempo é ele que nos ocupa e desassossega.
Sabemos que do lado de lá o horror existe em estado puro. Do lado de cá, Höss pode levar seus filhos a passear de barco num rio idílico, enquanto sua mulher, Hedwig, cuida do jardim, das crianças, de eventuais visitas.
De tempos em tempos, algum fiapo de horror parece escapar do campo para nos deixar de cabelo em pé. Por exemplo, quando Hedwig oferece roupas usadas à criadagem que ela, aliás, costuma oprimir. É um exemplo, não o único caso. Estamos diante da alienação completa ou do cinismo mais escancarado?
Seja o que for, o filme se realiza plenamente em sua opção estrita pelo extracampo e ainda se dá ao luxo de insinuar que não se pode ter tal missão, mesmo um SS, sem ser completamente degenerado.
Höss, por exemplo, a horas tantas faz uma declaração de amor ao seu cavalo. Ou discute com um empresário sobre um novo método capaz de aumentar a, digamos assim, produtividade do campo, pela instalação de um novo e revolucionário crematório.
Coisas assim podem até dar ânsia de vômito quando estamos diante delas. Mas, não muito tempo depois, tudo isso já parece muito distante. Tudo que fica é o exercício de responder à questão de Rivette. Não ser abjeto, não chantagear o espectador com cenas de impacto.
De repente a palavra “não” começa a aparecer com incômoda frequência, porque as virtudes do filme são quase sempre negativas. O que faz seu impacto é o fato de contornar os interditos do crítico. É não sucumbir ao sentimentalismo de Spielberg —que Godard, não sem razão, acusou de reabrir Auschwitz em “A Lista de Schindler”. De fato, “Zona de Interesse” não vulgariza o Holocausto.
Mas o que nos diz, efetivamente? Primo Levi, por exemplo, nos trouxe o horror dos campos com uma literatura sem dissimulação. De “Zona de Interesse” saímos chocados, num primeiro momento, mas em seguida vem a desagradável sensação de que alguém jogou poeira em nossos olhos, o poder de efeitos e dissimulação.
Neste mundo contemporâneo, em que a imagem está por toda parte, mas em que, malgrado isso, fascismos e congêneres botam o pescoço para fora com uma força inesperada, é inevitável perguntar o que, precisamente —ou, vá lá, imprecisamente—, “Zona de Interesse” tem a nos ensinar.
Rever qualquer um dos geniais “Mabuse”, de Fritz Lang —o de 1932 em especial—, nos ensina infinitamente mais sobre as artimanhas do tempo presente. “Zona de Interesse” importa sobretudo pela sensação de terror que, inegavelmente, sabe transmitir.
É mais do que nada, mas também não é muito.
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Fonte: Uol