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O trabalhador rural Almir Muniz da Silva desapareceu em 2002, no município de Itabaiana, no Agreste da Paraíba. As investigações do caso foram arquivadas, apesar de indícios de seu assassinato ter sido cometido por um policial civil. Almir Muniz da Silva, trabalhador rural desaparecido; caso será julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
Comissão Pastoral da Terra da Paraíba/Arquivo
O Estado brasileiro reconheceu a culpa por falhas na investigação do desaparecimento do trabalhador rural Almir Muniz da Silva, em 2002, na Paraíba, mas não admitiu que ele foi vítima de um “desaparecimento forçado”, causado por um policial civil. A declaração foi realizada nesta sexta-feira (9), durante audiência pública na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), na Costa Rica.
A corte internacional julgou uma denúncia contra o Brasil em relação à omissão do Estado diante das denúncias de desaparecimento forçado do trabalhador rural. O caso foi peticionado pela ONG Justiça Global, pela Comissão Pastoral da Terra da Paraíba (CPT-PB), pela Dignitatis e pela Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz.
Além de familiares de Almir Muniz, participaram da sessão Noaldo Meireles, advogado da Comissão Pastoral da Terra, Regina Saraiva da Comissão Camponesa da Verdade e o promotor de justiça Antônio Suxberger. Já a delegação brasileira incluiu representantes da Advocacia Geral da União (AGU), do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
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A Advocacia-Geral da União (AGU) reconheceu a falha na investigação do caso e pediu desculpas por causar sofrimento psicológico e moral aos familiares da vítima. Porém, afirmou que o desaparecimento de Almir Muniz não configura um “desaparecimento forçado”.
De acordo com o órgão, para configurar um desaparecimento forçado, o crime deveria ser caracterizado por privação de liberdade e ser provocado por agente de estado ou por concordância deste. Os dois pontos foram negados pela AGU, que também afirmou que não houve um julgamento formal do suspeito, que era um agente policial, por causa das falhas na investigão, por isso não poderia confirmar a relação do crime com um agente do estado.
“Para se afirmar que houve um desaparecimento forçado, nós teríamos que atribuir isso ao acusado, ao senhor Sérgio de Azevedo. Não houve um processo criminal, e essa é a falha que reconhecemos, mas falar que houve um desaparecimento forçado nós estaríamos contrariando nossa própria constituição”, afirmou.
A Justiça Global defendeu que o caso é caracterizado como um desaparecimento forçado e destacou que o crime não é tipificado pela legislação brasileira, o que implicaria um prejuízo, causando apagamento do fenômeno e violando obrigações internacionais.
A organização não-governamental pediu que a corte declare o estado brasileiro culpado pela violação de direitos pelo desaparecimento forçado, por não tipificar o crime na legislação nacional, pela violação do direito à verdade e por não realizar investigação séria, imparcial, efetiva e célere.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos também solicitou à corte que declare o Estado responsável pela violação do direito à integridade pessoal dos familiares da vítima, considerando o sofrimento e angústia causados pelos eventos. O órgão também pediu o apoio à solicitação para que o Brasil declare a violação do direito à família e aos direitos da criança em relação aos filhos da vítima que eram crianças e adolescentes.
Além disso, a comissão quer que o Estado realize um diagnóstico sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, em particular aqueles que estão em zonas rurais, focado na violência do campo e na distribuição desigual da terra. Outra solicitação é para que o Brasil implemente o delito de desaparição forçada e fortaleça o mecanismo de proteção aos defensores dos direitos humanos.
As alegações finais da Corte e uma sentença definitiva devem ser publicadas em cerca de 30 dias, conforme informações do advogado e assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em João Pessoa, Noaldo Meireles.
Além de familiares de Almir Muniz, participaram da sessão Noaldo Meireles, advogado da Comissão Pastoral da Terra, Regina Saraiva da Comissão Camponesa da Verdade e o promotor de justiça Antônio Suxberger. Já a delegação brasileira incluiu representantes da Advocacia Geral da União (AGU), do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Perseguições contra um líder do campo
Conforme o irmão da vítima, Almir era muito visado por ser uma liderança na comunidade. Além de trabalhador rural, ele ocupava o cargo de diretor da associação dos trabalhadores rurais da terra comunitária de Itabaiana. Em 2000, ele registrou a primeira ameaça na Delegacia da cidade, narrando com detalhes violências ocorridas na fazenda Mendonça.
Desaparecimento de Almir Muniz foi tema do quadro ‘Eu Quero Justiça’, em 2009; reveja
Segundo Noberto, tudo começou na metade do anos 90 quando um grupo de 57 famílias começaram a trabalhar na propriedade, que estava desocupada pelo dono. Um vistoria do INCRA foi solicitada pelas famílias, constatando em 1997 que a terra era produtiva. No entanto, o instituto orientou os trabalhadores a dar um passo para trás devido ao conflito existente.
“Passou o ano de 1998, e no início de 1999, solicitamos outra vistoria na propriedade, sendo então considerada improdutiva. A proprietária tinha entrado com recurso alegando estado de calamidade devido às chuvas. O INCRA acatou o pedido e nos orientou a não entrar nas terras. Mas decidimos entrar e trabalhar, pois não suportávamos mais a dificuldade em busca de alimentos”, conta Noberto.
Nesta época, o policial Sérgio de Souza Azevedo já trabalhava como segurança da fazenda e agia de forma agressiva contra os trabalhadores ocupados, o que gerou a primeira denúncia de Almir em 2000.
“Durante um incidente, Almir ouviu ameaças de Sérgio e soube que ele tinha informações de membros da comunidade que colaboravam com ele. Isso gerou uma tensão maior. Houve um bloqueio de acessos pela fazenda, e em um encontro com Sérgio e seu grupo armado, a situação ficou muito agressiva. De uma certa distância desceu da máquina, puxou a arma e deu dois tiros. Tinha bem uns quatro ou cinco deles, tudo com arma de grosso calibre”, relata.
O clima na comunidade estava cada vez mais tenso devido às ameaças e ações violentas do grupo liderado por Sérgio. Almir e outros membros da comunidade viviam sob constante pressão e intimidação. A situação se agravou após a criação da CPI da Violência no Campo em 2001 e mais acusações formais contra o policial.
Em 2002, Almir Muniz foi visto pela última vez em uma estrada que atravessava as Fazendas Veneza e Tanques no município de Itabaiana. No entanto, a denúncia não foi registrada e nenhuma ação imediata foi tomada para localizar a vítima ou investigar os acontecimentos. Em 2009, o caso foi arquivado e a família ficou sem explicação.
“O Estado foi o principal culpado de tudo que aconteceu e que ele venha ser condenado por alguma forma. É preciso reparar os danos que a família até hoje sofre para que não venha ocorrer mais casos parecido como esse porque nós não merecemos o que passamos”, pontua o irmão de Almir.
Assentamento Almir Muniz da Silva, fundado em 2004, em homenagem ao líder
Bismark Silva e Miguel Xavier/Arquivo
O Caso Almir Muniz
Devido à falta de ação das autoridades locais, o caso foi peticionado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A CIDH constatou a falta de uma versão oficial sobre o ocorrido, visto que a investigação interna foi arquivada sem esclarecimento ou punição dos responsáveis. Concluiu-se que seu desaparecimento foi forçado, resultando em seu assassinato por um agente policial, com ocultação de seus restos mortais, enquanto as autoridades negligenciaram investigações, mesmo cientes do risco que ele enfrentava.
Além disso, se observou que o assassinato de um defensor dos direitos humanos e a impunidade resultante tiveram um efeito intimidador sobre outros defensores e o movimento dos trabalhadores rurais, violando o direito à liberdade de associação.
“Com relação aos processos de busca por justiça, nós não tivemos nenhuma resposta do Estado. Eles já poderiam ter tomado providência desde quando Almir registrou a queixa pelas ameaças sofridas pelo policial civil Sérgio Souza de Azevedo. Quando eles não tomaram nenhuma providência, já nessa primeira ameaça, ficou muito claro para nós que casos piores poderiam acontecer pelo clima que estava naquela região”, disse ao g1 o irmão de Almir, Noberto Muniz.
Consequentemente, o Estado brasileiro foi considerado pela CIDH como responsável pela violação de vários direitos consagrados na Convenção Americana e na Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas.
Entre as recomendações feitas ao Estado no relatório da Comissão estão a reparação integral aos familiares da vítima; a realização de uma investigação eficaz; a implementação de medidas de assistência à saúde dos afetados; e a adoção de medidas para prevenir futuras violações.
Brasil pede desculpas
O Brasil reconheceu que violou direitos humanos na condução do processo referente ao homicídio do trabalhador rural e membro do Movimento dos Sem Terra (MST), Manoel Luiz da Silva. O Estado pediu desculpas oficialmente durante uma audiência que julga o caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), nesta quinta-feira (8), na Costa Rica.
Contudo, o reconhecimento da falha do Estado não contemplou quais medidas de compensação e não repetição serão implementadas. Ademais, o Brasil não reconheceu a violação do direito à verdade e sua relação com a violência aos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Os casos de Manoel e de Almir foram peticionados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pela Justiça Global e as organizações como a Comissão Pastoral da Terra da Paraíba, a Dignitatis e a Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz.
*Sob supervisão de Krys Carneiro
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Fonte: G1