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Dois dos maiores nomes do modernismo brasileiro vão se reunir novamente em um mesmo projeto. O acervo do paisagista Roberto Burle Marx será transferido para a Casa Cavanelas, imóvel assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e localizado na região serrana do Rio de Janeiro.
A expectativa é que 150 mil itens, entre desenhos, cartas, croquis e maquetes, sejam transferidos do bairro carioca de Laranjeiras para o novo endereço até 2028.
O acervo compreende um período de 70 anos e narra o nascimento de um Brasil que se pretendia moderno e que almejava dialogar com o futuro. A exemplo de Niemeyer na arquitetura, Burle Marx fez parte desse processo ao revolucionar o paisagismo nacional.
Se antes os jardins brasileiros buscavam inspiração no barroco francês e no romantismo inglês, com ele o foco passou a ser a flora nacional. Não à toa, é considerado o pai do jardim tropical moderno e um dos paisagistas mais importantes do século 20.
“Burle Marx deixou um acervo imenso. Parece que sabia que estava preservando a história, porque guardou documentos, fotografias e clipes de jornal separados por década”, diz Isabela Ono, arquiteta paisagista e diretora-executiva do Instituto Burle Marx.
Criada em 2019, a organização tem como missão preservar e difundir o legado do paisagista. “De alguma forma, acho que ele guardou tudo isso por acreditar que serviria para o futuro.”
É justamente para dar visibilidade ao acervo que o instituto terá como nova sede a Casa Cavanelas, imóvel construído nos anos 1950 para o engenheiro Edmundo Cavanelas morar com a família.
A residência tem três quartos, um banheiro e um lavabo, numa área que totaliza 180 metros quadrados. Além de ter sido projetada por Niemeyer, o paisagismo do local é assinado por Burle Marx.
“É uma conversa muito generosa entre a paisagem e a arquitetura. É um lugar que converge muito com valores do instituto e que pode potencializar a importância do acervo”, diz Ono.
Para manter as feições originais do imóvel, o instituto optou por não ocupar a residência. “Decidimos preservar a casa e deixá-la o mais fiel possível ao projeto original”, diz o arquiteto Thiago Bernardes, responsável pelo projeto. “A gente não usa a casa como área expositiva porque queremos valorizá-la.”
O local também não comportaria as demandas da instituição. Por isso, acharam por bem construir no terreno de 215 mil metros quadrados três edificações –uma para receber o público assim que ele chegar, a outra para abrigar um café e a última para ser o pavilhão expositivo.
“O desafio é fazer um projeto que valorize a arquitetura que já está lá, um processo que é muito delicado”, diz Bernardes. “Mas acreditamos que esse espaço materializa muito o que o instituto tem como objetivo, que é ressignificar o legado de Burle Marx e fazer iniciativas para o futuro.”
Uma dessas ações é estimular a troca de saberes. O instituto planeja construir na nova sede um espaço educativo para receber artistas e pesquisadores.
“A gente sempre imaginou esse local não só como centro de referência, mas como um hub para pensar cidades e a questão ambiental, pautas que estão dentro do legado que ele deixou”, diz Ono.
A arquiteta também quer digitalizar o acervo para protegê-lo e facilitar a consulta. De acordo com ela, o processo é custoso e depende de patrocínio, razão pela qual 5% dos 150 mil itens foram digitalizados até agora. A expectativa, porém, é que esse percentual passe de 50% até 2028 caso consigam apoio financeiro.
“A gente quer reter e divulgar informação sobre ele, trazendo esse banco de dados para o presente com o objetivo de inspirar novas gerações.”
É uma iniciativa alinhada ao projeto artístico de Burle Marx, alguém que defendia o caráter democrático do paisagismo. Em entrevistas, costumava dizer que preferia fazer jardins públicos aos privados por entender que eles são mais acessíveis à sociedade.
Não à toa, os projetos mais conhecidos do paisagista estão em ambientes abertos. É o caso dos jardins do Museu de Arte Moderna do Rio, com seu gramado bicolor, de curvas semelhantes às do calçadão de Copacabana. Outro exemplo emblemático é o parque do Flamengo, que guarda em sete quilômetros de extensão espécies que Burle Marx trouxe de seu sítio, localizado na zona oeste do Rio.
Concebido como um laboratório de experimentação botânica, o espaço abriga uma vegetação luxuriante, com mais 3.500 espécies de plantas, além de mais de 3.000 itens museológicos.
Nos anos 1980, o paisagista decidiu doar a propriedade ao governo federal para pesquisas paisagísticas e botânicas. Em julho de 2021, o sítio foi reconhecido de forma unânime pela Unesco como patrimônio mundial.
Embora seja associado às elites, o paisagista também fez projetos para regiões distantes da zona sul carioca, como Bangu e Madureira. No entanto, esses jardins nunca foram executados pelo poder público.
A nova sede do instituto de certa forma dá continuidade ao viés republicano do trabalho de Burle Marx. “Ele buscava levar a beleza ao maior número de pessoas possível, não apenas a uma minoria”, diz Ono. “É um legado muito potente e que representa um Brasil que deu certo.”
Avaliação parecida faz Alda de Azevedo Ferreira, doutora em arquitetura pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e especialista no trabalho de Burle Marx. “Ele entendia que a vegetação não era importante só para o espaço urbano, mas também para a qualidade de vida das pessoas. Revisitar seu legado é uma forma de tornar essa consciência cada vez mais presente no nosso dia a dia.”
Além disso, a especialista considera que o acervo ajuda a manter a integridade dos projetos de Burle Marx. Isso porque muitos jardins públicos perderam as características originais em razão do abandono.
Os registros documentais, diz Ferreira, são uma espécie de lembrete do que ele concebeu e um guia caso o poder público queira recuperar os trabalhos.
“Preservar e tornar público esse acervo é uma forma de lutar contra o esquecimento e pensar no que pode ser feito a partir de agora”, diz ela, acrescentando que os documentos ajudam também a refletir sobre assuntos contemporâneos. “O que ele deixou pode ser usado como base para pensar questões ambientais, espaços urbanos e até o pós-pandemia. Burle Marx deixou uma memória viva.”
A atualidade do paisagista é o fio condutor da exposição “Lugar de Estar: O Legado Burle Marx”, no Museu de Arte Moderna do Rio.
Com cerca de cem obras, a mostra dialoga com 22 projetos do paisagista e de sua equipe para jogar luz sobre temas que permeiam o trabalho dele, como direito à cidade e ativismo ambiental. Para isso, a mostra traz trabalhos de seis artistas, como Rosana Paulino, Maria Laet e Luiz Zerbini.
“A gente queria estudar e compartilhar o trabalho de Burle Marx, mas também utilizá-lo como uma plataforma para falar de questões importantes que já estavam presentes nas obras dele”, diz Pablo Lafuente, diretor artístico do museu e um dos curadores da exposição.
Ele explica que a mostra traz clipes de jornais em que o artista denuncia a destruição ambiental num momento em que esse assunto não estava na ordem do dia. O paisagista também se mostrou contra a construção da rodovia Transamazônica, projeto da ditadura militar que provocou desmatamento na região.
“Nos anos 1960, ele já falava sobre assuntos de extrema importância. São declarações que poderiam ser repetidas palavra por palavra hoje em dia. É essa consciência que o torna tão relevante atualmente.”
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Fonte: Uol