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Na esquina das ruas Gregório de Matos e Alaíde do Feijão, um exu, orixá dos caminhos e da comunicação, é alimentado no Pelourinho, em Salvador. Nesse mesmo cruzamento, Negra Jhô abre-alas para a estética afro em seu salão de beleza e pelos lugares que passa.
Nos próximos dias ela será vista em diversos blocos afros performando dança afro-brasileira, que aprendeu de forma autodidata, como tudo o que faz: tranças, turbantes e comidas. “Não tive mestres. Meu mestre foi Ogum, o tempo, os caminhos”, afirma ela.
Desde 2003, Negra Jhô é a “mãe, mulher, Maria-Olodum”, e dança em frente ao bloco afro, que tem sua saída nesta sexta-feira de Carnaval (9) pelas ruas do Pelourinho. Ela também desfila com o Bloco da Capoeira, Didá, Cortejo Afro e Ilê Aiyê, que em 2024 completa 50 anos. “São décadas de resistência, realeza e alegria”, define.
Só no Olodum são 30 anos na avenida, primeiro como foliã e depois como “abre-alas”. Foi destaque por 10 anos do bloco Filhas de Oxum. “O Carnaval é uma festa onde a gente se vê, se encontra. Grita e pula com alegria, num desabafo”, define.
Desde a década de 1980, ela trança cabelos no centro histórico. Sempre de turbante e roupas com estampas africanas, ela usa longos cílios e unhas para completar um visual sempre imponente.
A artesã capilar nasceu Valdemira Telma de Jesus Sacramento, em 1960, no Quilombo da Muribeca, no recôncavo baiano. “Nasci grande”, diz ela, afirmando que sempre teve consciência racial. O pai trabalhava na Petrobras e a mãe era dona de casa e militante. Ambos eram do candomblé, que ajudou a moldar seus ensinamentos de vida. “Aprendo muito até hoje com as mulheres que fizeram história na religião, como Mãe Carmem, Mãe Menininha, Mãe Ziza, Ebomi Nice, entre outras.”
Jhô morou em Madre de Deus e Feira de Santana até chegar em Salvador na década de 1980. “O primeiro lugar que conheci foi o Pelourinho. Vinha para a festa da Conceição. Diziam que era um lugar de prostituição, mas eu era fissurada pela cultura”, conta. Abriu o primeiro salão na rua Frei Vicente, onde ficou por 20 anos, e hoje também vive no centro histórico. “O Pelourinho é um lugar mágico, que acolhe, dá sobrevivência a muitas pessoas e tem muitas riquezas”, diz.
Quando questiono sobre problemas como falta de segurança e consumo de drogas, Jhô afirma que há muito exagero, mas reconhece que “apesar de Salvador ser a capital afro, ainda falta mais respeito com os seus filhos negros”. Ela diz que a única coisa que a tira de sua imponência é quando perde pessoas queridas ou alguém mexe com os seus. “Nasci para lutar. Sem luta não há vitória”, diz, citando seu lema de vida que foi tatuado pelo filho mais velho, Afro Jhow, que é cantor e compositor.
No salão, há decorações e proteções, como espada de São Jorge, defumador, orixás, máscaras africanas e um grafite com o rosto de sua proprietária. Por ali, estão sendo feitos dois cabelos (uma trança e um dread), a amarração de um turbante, uma costureira cerzindo e Kayodê, o filho mais novo de Jhô, aplicando miçangas em um broche.
Negra Jhô é uma presença forte e arranca risadas, lágrimas, brilho nos olhos e arrepios de quem adentra o seu espaço. Nunca passa despercebida. Há quem entre em seu salão apenas para pedir a benção e seguir. Ela planeja conhecer a Nigéria e a Angola, mas diz que seu grande sonho é ter um espaço de acolhimento para pessoas que não têm onde morar.
Não mexe comigo
Desde 2010 ela organiza a Feijhoada, um evento cultural com feijoada e uma corte africana que, geralmente, ocorre em setembro. Em 2018, um grupo de cerca de 300 pessoas se aglomerou em uma das ladeiras do Pelourinho para assistir a corte, quando um carro da polícia decidiu vir na contramão, xingando o público. Para impedir que o carro passasse, Jhô se jogou no chão. “O que eles querem, nós queremos também: respeito. Precisam saber até onde ir e nós também”, diz ela, que impediu as vaias do público aos policiais, que teriam reconhecido o erro depois da cena impactante.
Entre 1998 e 2002 e em 2014, Negra Jhô foi a preparadora de candidatas à Deusa do Ébano, do bloco afro Ilê Aiyê. “São mulheres fortes que podem ser o que elas quiserem. Ajudei a eleger seis rainhas e seis princesas”, contabiliza.
A performer já participou de vários clipes do Olodum, da prefeitura e governo do Estado, do cantor Saulo, do grupo Àttooxxá, entre outros. Quando pergunto de onde vem o seu nome artístico, ela conta como se batizou: “sempre soube que era uma mulher negra. Como eu não tinha cabelo, me chamavam de João. Um dia me chamaram de ‘negra, Jô,’, pensei isso tá interessante. Eu sou uma rainha ancestral.”
Serviço: O espaço de Negra Jhô fica na Rua Alaíde do Feijão, 10, Pelourinho, Salvador, e funciona de terça a sábado, das 9h às 19h.
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Fonte: Uol