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O laudo da concessionária nada mais era do que uma folha de papel cheia de quadradinhos ticados. Em tese, a vistoria final havia sido rigorosa, listando com detalhes o estado de todos os itens do veículo.
“E o meu estado?”, pensei. Coração aos solavancos. Em que entrelinha daquele documento constavam os acessórios que não vieram de fábrica? A mossa que martelinho de ouro algum soube consertar, após a trombada de um ônibus que girou na pista estilo “Velozes e Furiosos” e me abalroou suave, parada no sinal, como se fosse um carrinho de rolimã.
À prova de aspirador, os pelos de bichos levados para a veterinária e resgatados da rua. O porta-luvas incapaz de fechar, dado o seu histórico de lenços de papel e CDs de música triste. E ao volante, a indelével mancha ocre Gata Garota nº 1, fruto de incontáveis maquiagens no engarrafamento.
Nada disso foi periciado. Nem poderia. Automóvel, para mim, não é investimento ou moeda de troca, mas relacionamento monogâmico. Fico com um de cada vez, durante muito tempo, até que a morte do motor nos separe. Inclusive lacrimejei, feito Maria Gasolina viúva, ao entregar meu mais recente e decrépito possante.
Nossa quilometragem em comum era tamanha que, grávida de poucos meses, grudei um “bebê a bordo” no vidro traseiro. Acelero então até o adeus definitivo, com o bebê em questão presente. Já calçando 38 e jogando “Grand Theft Auto”.
No casamento anterior, a mesma fidelidade ideológica. Tanto que o adesivo de um candidato permaneceu colado por duas eleições consecutivas.
Gosto de envelhecer junto com meus carros, pois não tenho paciência para “rebimboca da parafuseta” que está começando. Acho as viaturas modernas de uma deselegância lastimável. Não fosse meu apego a luxos como ar-condicionado siberiano no verão carioca, estaria dirigindo uma Vemaguet. Ou qualquer outro modelo do ano (em que eu nasci).
Levo comigo todas as carangas da família. Do Fusca azul calcinha 1969 à TL azul pavão 1971. Do Passat bege alabastro à Brasília “siri cozido”, cor vista apenas nas cartelas mais psicodélicas da minha nostalgia.
Acredito não estar só nessa revisão. Existem Belinas,
Variants e Monzas para saudades de qualquer chassi. De mãe, de vô, de vizinho. De férias indo à praia e voltando com criança dormindo no banco de trás. Memórias preciosas. Inestimáveis, pela tabela da Fipe.
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Fonte: Uol