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Uma mistura de fatores genéticos e ambientais é decisiva para o desenvolvimento de habilidades excepcionais nos primeiros anos de vida. Especialista aponta que pais devem ter cuidado para que genialidade não vire um fardo que se prolonga por infância, adolescência e até a vida adulta. Conexões fortes entre os neurônios parecem ser um dos ingredientes-chave de uma superinteligência na infância.
GETTY IMAGES via BBC
Você certamente já conheceu — na própria família, na vizinhança ou em programas de televisão — crianças que têm habilidades extraordinárias e surpreendentes para a idade delas.
Algumas são excelentes em Matemática, outras nasceram com uma aptidão excepcional para tocar um instrumento musical.
Há também aquelas que superam todas as expectativas num esporte ou fazem desenhos com a habilidade de um mestre das belas artes.
Mas quais são os fatores que influenciam na formação de um “pequeno gênio”? E será que é possível estimular a inteligência — ou ao menos determinadas capacidades — desde cedo?
Para encontrar respostas a essas e outras perguntas, a BBC News Brasil conversou com a médica Magda Lahorgue Nunes, professora titular de Neurologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pesquisadora do Instituto do Cérebro (InsCer), em Porto Alegre.
A especialista, que também coordena o Departamento de Neurologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, aponta que o conceito de genialidade infantil passou por uma série de transformações nos últimos anos — e hoje há mais maneiras de entender e avaliar a inteligência nos primeiros anos de vida.
Ela também alerta para o risco de determinados dons e habilidades se tornarem um peso, caso a criança passe a ser reconhecida e cobrada em excesso por eles.
Por que algumas pessoas são gênios esquecidos
Onde nasce o gênio
Nunes lembra que, durante muitas décadas, o teste de QI (quociente de inteligência) era a principal — senão a única — maneira de medir a capacidade cognitiva de alguém.
Vale destacar aqui que o QI é uma espécie de prova que avalia uma série de habilidades. Ela é aplicada em centenas ou milhares de indivíduos de diferentes faixas etárias. A partir daí, é possível definir um resultado médio para cada idade e destacar aqueles que fogem da curva — ou seja, se saem melhor ou pior no teste.
“Mais recentemente, começamos a observar a genialidade em indivíduos que possuem habilidades criativas e inovadoras, que são fora do comum”, diz ela.
“O teste de QI segue como uma das ferramentas, mas a definição dessa genialidade ficou mais ampla e um tanto mais ambígua.”
Mas de onde vem e como surge essa inteligência fora do comum?
As evidências científicas mais recentes apontam que há uma série de fatores que, juntos, explicam esses casos, segundo a neuropediatra.
“Evidentemente, deve existir alguma base genética para isso, embora ainda não tenhamos encontrado genes específicos relacionados a essa questão”, pontua ela.
“Em segundo lugar, precisamos levar em conta o ambiente em que a criança é criada, que tem um impacto direto nas questões comportamentais e cognitivas dela”, complementa a neuropediatra.
Em termos práticos, se o indivíduo recebe desde cedo estímulos intelectuais adequados à idade, isso ajuda a estimular o cérebro e determinadas capacidades.
“Um ambiente favorável não é necessariamente lotado de brinquedos caros. O mais importante é crescer em uma casa onde essa criança é estimulada, cuidada e amada”, ensina Nunes.
Um estudo feito por instituições finlandesas, suecas, austríacas, espanholas e alemãs publicado em 2022 tentou explicar quais eram os determinantes de uma performance cognitiva avançada de crianças e adolescentes.
Os autores concluem que um mix de atividades traz benefícios em termos de inteligência, especialmente quando elas são desafiadoras do ponto de vista cognitivo.
“A leitura está positivamente associada ao desempenho cognitivo, independentemente da idade, e deve ser promovida”, destacam eles.
Ainda na seara dos fatores externos, não dá para ignorar o impacto da boa alimentação e da prática de atividade física. Estudos sugerem que ambos influenciam no desenvolvimento cognitivo em qualquer faixa etária.
Por fim, há também o papel do reforço positivo. Pais que observam nos filhos uma certa aptidão para a música ou o futebol, por exemplo, tendem a presenteá-los com instrumentos ou bolas de futebol e prestam mais atenção em como essas habilidades se desenvolvem.
Uma janela valiosa
Mas existe alguma área do cérebro que está super desenvolvida nesses pequenos gênios?
Nunes aponta que, durante muito tempo, acreditava-se que a inteligência acima da média estava relacionada ao nível de maturação de uma região da massa cinzenta chamada córtex pré-frontal, que fica na região próxima à testa.
“Mas, hoje em dia, graças aos estudos com ressonância magnética funcional e outras técnicas, sabemos que esse local relacionado à inteligência é muito mais amplo”, explica a médica.
“Na verdade, não se trata de um lugar específico. O mais relevante aqui é a rede de neurônios e como essas células se conectam e interagem entre si”, complementa ela.
Uma das pesquisas a detalhar esses aspectos foi publicada em 2014 por especialistas do Centro Basco de Cognição, Cérebro e Linguagem, na Espanha, e das universidades da Califórnia em Berkeley e Davis, nos Estados Unidos.
“As melhoras nas funções cognitivas superiores desde a infância até a idade adulta refletem a integração de sistemas cerebrais complexos e amplamente distribuídos”, escrevem os cientistas.
Ou seja, a forma como os neurônios — responsáveis por transmitir impulsos nervosos relacionados ao raciocínio e à memória, entre outras funções — “conversam” e criam conexões fortes parece ser determinante por aqui.
Aliás, a formação de uma rede neuronal sólida desde a infância é algo importante por toda a vida, segundo pesquisadores — e pode até retardar o aparecimento dos sinais de demência na velhice.
Nunes acrescenta que, durante a nossa formação, existe uma janela valiosa, em que os estímulos cognitivos trazem impactos ainda mais profundos.
“Essa plasticidade cerebral está no seu máximo de ação até os três anos de idade”, aponta ela.
Nesse contexto, o termo plasticidade se refere justamente a essa capacidade das células nervosas de se modificarem e firmarem conexões fortes por meio do aprendizado e dos estímulos externos.
Nunes destaca os trabalhos do economista americano James Heckman. Ele defende a ideia de que investir na primeira infância, nesses primeiros anos de vida, é a principal estratégia para formar cidadãos com mais habilidades e capacidades.
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“E isso tem um fundamento na neurociência, porque estamos falando do período de maior habilidade cerebral”, diz ela.
“Portanto, se o indivíduo receber esse apoio inicial, fica mais fácil para ele ter um melhor desempenho e uma maior qualidade de vida lá na frente.”
E, para alguém que já possui naturalmente uma inteligência fora do comum ou uma habilidade específica excepcional, esses estímulos podem representar o salto necessário para alcançar um certo status de genialidade numa determinada área do conhecimento.
“Por outro lado, a pessoa pode até possuir uma determinada habilidade, mas, se ela cresce num ambiente desfavorável, ela não a desenvolve”, observa Nunes.
Vale ponderar aqui que, por mais que os três primeiros anos de vida representem de fato essa janela valiosa, exercitar o cérebro em qualquer faixa etária é fundamental para manter a memória e o raciocínio afiados.
Quando a genialidade vira um fardo
Nunes alerta que, a depender de como a inteligência fora da curva da criança é vista pelos mais velhos, ela pode se tornar uma fonte de aflição para os mais jovens.
“É positivo que os pais reconheçam as habilidades dos filhos e a estimulem”, pontua ela.
“Mas a criança não pode se tornar apenas aquela habilidade. Podemos estar diante de um gênio da Matemática, mas ele ainda é uma criança.”
Isso acontece quando o menino ou a menina são apenas reconhecidos pelo dom que possuem, e não podem mais fazer outra coisa ou são até desencorajados a explorar outras áreas do conhecimento.
“Nesse momento, aquilo deixa de ser algo que a criança gosta, se alegra em fazer, para virar um fardo”, destaca a neuropediatra.
“A função dos pais aqui é buscar um equilíbrio e nunca jogar em cima de crianças pequenas responsabilidades ou expectativas tão grandes”, conclui ela.
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Fonte: G1