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Sabemos da constante contenda entre darwinistas e criacionistas —o pessoal da TDI, teoria do design inteligente. Nessa briga, os segundos buscam provar que haveria um planejamento nas coisas que existem no universo, na natureza e em nós e, portanto, as coisas não seriam fruto de uma contingência cega cruel reinando sobre o mundo.
Já os darwinistas aceitam facilmente essa cegueira e identificam nela uma zona em que a cegueira —o relojoeiro cego do Dawkins— ordena as coisas a partir do que a série da Netflix “A Vida no Nosso Planeta” chama de “regras da vida”.
Os capítulos se sucedem, mas uma narrativa percorre tudo —as tais “regras da vida”—, descrevendo o que os criacionistas não podem suportar: a violência e crueldades dessas regras, que consome todos os seres, inclusive filhotinhos indefesos.
Portanto, o que os criacionistas não podem aceitar é a afirmação a priori não só de que não exista um Deus, mas de que ele não seja bom e justo. O conforto da crença no que eles mesmos dizem quando afirmam “fomos planejados” não é no mero planejamento em si, mas que esse planejador, Deus, não faria o universo com intenções cruéis. Esse detalhe escapa muitas vezes do debate.
Quando um criacionista combate o darwinismo, ele o faz não só por conta da afirmação de que exista um planejamento, mas sim de que esse planejamento seja em si moral, bom e honesto.
Podemos confiar nas coisas e no mundo, se seguirmos as orientações morais e espirituais dadas por esse planejador via seus “representantes”. Mas as religiões nunca foram, na imensa maior parte de sua história e pré-história, preocupadas com a afirmação de que tudo que existe é para a realização de um propósito bom.
Essa ideia é novidade, e pode ter, sendo bonzinho, uns 3.000 anos. A religião grega, por exemplo, nunca teve essa aspiração com relação aos seus deuses —aliás, nenhum dos politeísmos, nem os africanos e seus descendentes, como o candomblé.
Hoje, com o marketing ético que atravessa tudo, ninguém vai confessar que sua religião, desde os seus primórdios, nunca teve compromissos com o que se costuma chamar, vagamente, de bem. As religiões nunca foram éticas na sua origem.
Os deuses sempre apreciaram o gosto de sangue humano e animal e sempre se divertiram com nossas
guerras, amores, vitórias efêmeras e fracassos definitivos. Mas, o darwinismo, sua violência e indiferença ao sofrimento dos seres vivos, podem conviver bem com uma forma peculiar de monoteísmo.
Portanto, a recusa dos criacionistas pelo darwinismo não é propriamente a defesa da existência de um planejador, mas a recusa de que exista um planejador perverso. Planejador perverso este que convive bem com a ópera trágica da cosmologia darwinista. Afinal, qual seria essa teologia escondida na cosmologia darwinista?
Nos primeiros anos do cristianismo —para fazer uma longa história curta, como se diz em inglês—, existiu uma heresia escandalosa que acabou por ser conhecida como gnosticismo, apesar de existirem controversas acadêmicas sobre essa terminologia.
Esses evangelhos gnósticos achados no final dos anos 1940 nas cavernas egípcias de Nag Hammadí —publicados em inglês como “biblioteca de Nag Hammadí”— trazem um Cristo diferente.
A questão essencial não está tanto na figura desse Cristo gnóstico —um gnóstico era alguém que sabia, por revelação do Deus, o “agnostos théos”, ou Deus desconhecido, o pai silencioso, o que vou dizer a você agora — mas, sim, no fato de que o Deus criador do universo é mal.
Para esses cristãos gnósticos, o drama espiritual era, ao ter sido despertado por esse Cristo que os avisaria que a criação é uma câmara de torturas, o que fazer a partir daí. Recusar sexo reprodutivo para não produzir mais vítimas, fugir para o deserto, se matar, o quê?
Esse tipo de suspeita terrível aparecerá em filósofos como Schopenhauer, no século 19, e Cioran, no século 20, entre outros. Todo ser vivo deve ser devorado para outro ser vivo continuar vivendo até ser ele mesmo devorado. Eis a teologia monoteísta que pregou o darwinismo. Puro Brás Cubas.
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Fonte: Uol