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A pizzaria da minha infância tinha letreiro de neon e luz branca, forte, no salão. Entrava-se nela por uma porta vai-e-vem, como aquelas dos bares de filme de bangue-bangue.
O forno não ficava à vista dos clientes –a pizza-show é uma tendência que só apareceu mais tarde. Os garçons, vestidos como pinguins, traziam as formas de alumínio de algum compartimento oculto no fundo do restaurante.
As mesas eram cobertas com toalhas puídas e, por cima destas, quadrados de papel encerado com o timbre do estabelecimento.
Placas de madeira falsa revestiam as paredes, mas só do chão até a metade. No teto, ventiladores com duas hélices produziam um ronco que pode ser comparado ao dos drones atuais.
Na saída sempre havia um homem vendendo balões de gás hélio. Ele sempre arrancava uns trocados do meu pai, e o balão sempre voava pela janela do carro antes de chegarmos em casa.
Não é a descrição de alguma pizzaria em particular, são cacos de memória colados num quadro que provavelmente não é muito fiel a nenhuma experiência real. Apenas me veio à cabeça, de forma genérica e embaçada, o ambiente de um jantar na década de 1970 em São Paulo.
Se quiser conhecer essa atmosfera, vá à pizzaria Castelões, no Brás –que é muito mais antiga mas, enfim, não posso recordar o que não vivi. É uma das poucas da cidade a preservar mobília e quinquilharias do antanho.
São Paulo é uma cidade que se recusa a envelhecer com dignidade. Ao completar 470 anos no próximo dia 25, quer se passar por jovenzinha: pinta o cabelo, faz harmonização facial e acha que ninguém percebe.
No setor de restaurantes e bares, dói demais ver casas antigas que, no afã de se modernizarem, acabam desfiguradas, deformadas, degeneradas, destituídas de alma.
A pizzaria da minha infância instalou drywall, fez a limpa nas lojas de lâmpadas da rua da Consolação e meteu quatro TVs gigantescas, uma em cada parede, 24h por dia no futebol europeu.
O ímpeto da construção destrutiva, embora não seja exclusivo de São Paulo, aqui encontra terreno fértil.
Pegue o Rio. Está cheio de botecos destruídos pelo excesso de empreendedorismo, mas também manifesta, em relação ao patrimônio histórico, uma reverência que não se vê por aqui.
São Paulo é obcecada pela impermanência. Empresário paulistano entra no cio quando tem promoção de ladrilho hidráulico na Leroy Merlin.
Quando entope o banheiro do restaurante, o dono já decide quebrar tudo, tacar máquina de vento para secar as mãos e aquele sensor de luz que sempre apaga enquanto você faz xixi.
Voltei há pouco de Londres (ostentação detectada), e lá há pubs com séculos de serviços prestados ao etilismo.
Seus salões são georgianos, vitorianos, mal iluminados, tudo em mogno, um pouco sebosos. Não têm uma tomada elétrica para o celular de cada cliente. O lugar é velho e parece velho, a freguesia gosta assim.
Em São Paulo restam pouquíssimos desses lugares. Eles se preservam, suspeito eu, mais por desleixo do que por zelo. O que não é de todo mau.
Um pouco de decadência estilosa orna bem com uma senhora de 470 anos.
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Fonte: Folha de São Paulo