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O que pensa o candidato quando se vê obrigado a andar pelas ruas da cidade que da cidade não parecem? Aquelas esburacadas, sem asfalto escudando o chão de barro, com o fio cinza dos córregos contrastando o verde do alto mato —morada das pragas várias, as que voam, as que rastejam, as que roem, as que picam. Como é observar a ineficiência de uma gestão que não conseguiu levar o mínimo aos que, sem ele, criam seu próprio método de subsistência?
Evidentemente a vida política exige um certo grau de cinismo, mas será que, ao subestimar o senso crítico da população pobre, os candidatos à prefeitura —tanto os com histórico de gestão quanto os com promessas de uma administração melhor— de fato acreditam que passear pelos cantos onde o sol faz pelar a desgraça é suficiente?
Ouvir (só agora) os anseios da população; ver (só agora) o estado deplorável das regiões mais pobres; tocar (só agora) os dedos tortos de tanto limpar a casa dos outros e as palmas grossas de quem bate laje e enche coluna; saborear fritura ou PF —o prato feito— (só agora) fingindo prazer para se enturmar; sentir (só agora) o cheiro de fossa e carniça vindo de terrenos baldios e seus matagais, basta? Os cinco sentidos passam a verter empatia até então escassa.
Candidatos do povo. Mostram-se determinados a fazer o que já deveria ter sido feito por questão de humanidade básica: promover acesso a diretos como água, luz, segurança, saúde, educação, asfalto e saneamento.
Na época de eleição, os problemas mais antigos parecem ter sido só agora descobertos. Uma preocupação nubla os rostos dos políticos que entram na casa da senhora para ouvir suas lamúrias enquanto degustam seu bom café. “Dá licença, dona, posso entrar?”, esforçando-se para se sentir em casa numa onde jamais gostaria de morar.
Às vezes, há música de fundo enquanto caminham. Outras, o silêncio tenta passar ares de seriedade e compromisso, presenciando a ausência do poder público. Em alguns casos, sendo testemunha ocular dos próprios crimes morais comprovados por promessas descumpridas.
Nada de novo, o povo sabe, o povo manja, e as discussões políticas mais orgânicas e definidoras que existem estão nas filas do postinho de saúde, nas do mercadinho, dentro dos bares —entre uma partida de sinuca e as versões de forró dos hits nacionais e internacionais— e igrejas. Estas últimas, por sua vez, nem tanto uma discussão, mas convicção já pregada pelas lideranças religiosas. As paredes dos templos literalmente falam e quem as avizinha sabe bem. Também se sabe que quem sofre não esquece.
Recordo-me que, em 2009, a população do Jardim Romano, bairro da zona leste da cidade de São Paulo, passou meses submersa por conta de enchentes. Kassab era o prefeito à época. Durante a gestão de Haddad o problema persistiu.
Itaim Paulista, Jardim Pantanal, Jardim Romano são alguns dos exemplos de completo descaso que parece só ganhar foco em dois momentos: quando se torna inevitável não veicular em grandes jornais as mazelas da gente que perde a geladeira vazia para as cheias, e no instante em que as eleições se tornam o evento de grande interesse por parte da classe política.
Recentemente, em reportagem da Agência Mural para esta Folha, relatou-se a rotina alterada dos moradores por conta das chuvas e o quanto esta situação se arrasta pelos anos. Foram pontuadas as promessas que o atual prefeito Ricardo Nunes fez, em junho do ano passado, quanto à condição do local. Entre elas está a de levar água potável.
Só agora. Repentinamente, alguns buracos familiares —que já davam “bom dia” a quem sobre eles passasse— desaparecem. Árvores que estavam cheias de cupins, com troncos parecendo isopor, foram retiradas antes da queda óbvia. Alguns reparos ali, outros aqui. No ano em que acontecem as disputas eleitorais pela prefeitura da cidade, um dos maiores clichês políticos não ousa se ausentar das vidas de muitos e muitas nas periferias: o “tão tentando resolver problema para ganhar voto”. Só agora.
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Fonte: Uol