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“Meninas Malvadas: o Musical” tinha tudo para dar errado. Baseado no musical da Broadway que foi, por sua vez, baseado no “Meninas Malvadas” original de 2004, filme dirigido por Samantha Jayne e Arturo Perez Jr., carregava nos ombros a responsabilidade de repaginar um dos maiores clássicos da comédia dos anos 2000.
Mas “Meninas Malvadas: o Musical” evitou erros básicos na medida do possível. Escrito por Tina Fey, como em 2004, o longa conserva o enredo original, quando celulares ainda eram burros, sem ignorar as demandas de seu tempo —não só a dinâmica, azeitada com as redes sociais, e a moda repleta de calças cargo neon e corsets, mas os corpos menos magros e sarados de atores que pelo menos não parecem ter 30 anos.
Cady, antes vivida por Lindsay Lohan e agora interpretada pela australiana Angourie Rice, é uma menina que cresceu na África, em uma tenda no meio da savana, e chega aos Estados Unidos sem nunca ter pisado em uma escola. Para ela, a dinâmica social do colégio North Shore, em Illinois, lembra a cadeia alimentar dos animais da selva.
A dinâmica é a mesma de 2004. Cady é apresentada à escola por Damian e Janis, esquisitões excluídos de tendências artísticas. Regina George, antes Rachel McAdams e agora vivida por Renée Rapp, é a abelha-rainha, acompanhada de duas fiéis seguidoras, a burra Karen, que ficou mais burra, deixou de ser loira e agora é interpretada pela atriz Avantika Vandanapu, de ascendência indiana, e a neurótica e insegura Gretchen, que trocou a menção ao hanukkah por uma a um abuelito.
A sensibilidade às questões raciais que envolvem esse enredo, aliás, tocou a produção nestes 20 anos. Em 2004, o fato de Cady ser uma africana branca era uma das grandes piadas do filme. A malvadinha Karen, antes interpretada por Amanda Seyfried, perguntava na cara dura “se você é africana, por que é que você é branca?”. Agora, a genérica África de onde Cady vinha se tornou o Quênia e piadas como a garota se aproximando de uma mesa de colegas negros e soltando um bizarro “Jambo”, olá em swahili, não têm mais lugar.
Esse tipo de humor, que zomba, antes de mais nada, da mediocridade americana, talvez fosse mal-interpretado hoje. Mas é o tipo de marca que traz a acidez típica do Saturday Night Live, berço de Fey e outros talentos do humor dos Estados Unidos, e do qual o novo “Meninas Malvadas” ainda parece herdeiro direto.
Os números musicais, que poderiam ser receita para o desastre, são exemplo dessa inspiração. As canções são quase as mesmas do musical da Broadway —de novo, entrou em ação a sensibilidade ao excluir trechos como um comentário sobre a paixão de infância que correu de Cady “rápido, já que ele era queniano”.
Mas músicas como “Sexy” são grandes acertos para dar ao remake uma cara própria e até mais leve que o original. A canção usa a cena em que Karen é ridicularizada por se fantasiar de rato sexy no Halloween e transformam em um hilário comentário social sobre as demandas do feminismo moderno envolverem a necessidade de as mulheres estarem constantemente sensuais e bonitas.
“Revenge Party”, música em que os esquisitões Janice e Damian, bem mais protagonistas no remake, planejam a vingança contra a abelha-rainha Regina George, é uma montagem de festa dos sonhos que fantasia sobre a cabeça de Regina na ponta de uma lança.
Nas canções, brilham comentários sobre gênero, que ganham o espaço deixado pelas piadas sobre uma branca africana. Regina canta em sua canção introdutória que ela é a fodona e seus peitos são reais. O roteiro manteve, ainda, algumas sacadas boas na mesma toada, como “Não pegar o ex-namorado da amiga é uma regra do feminismo”, segundo Gretchen. O comentário de 2004 segue atualíssimo.
O namorado, Aaron Samuels, antes vivido pelo galã Jonathan Bennett, agora é interpretado pelo sem graça Christopher Briney, mas continua alvo de memes que marcaram o filme, como a cena em que ele pergunta a data para Cady e ela responde “3 de outubro” como se as palavras fossem um soneto de Shakespeare. O filme oferece outras surpresas aos fãs do original. Temos, para o alívio dos telespectadores, um Glen Coco da Geração Z.
Mas mais do que um agradinho aos saudosos dos anos 2000, o novo “Meninas Malvadas” é uma chance de repassar à geração das redes sociais um recado que ressoou forte no novo milênio quando o filme foi sucesso absoluto nas locadoras. Falar mal de alguém dificilmente vai ser a cura para suas inseguranças e, em um mundo no qual todas criticam umas às outras em igual medida, somos todas vítimas e vilãs, Janis e Reginas. Agora, com calça cargo e TikTok.
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Fonte: Uol