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Foi como uma onda de inesperado otimismo que o novo filme de Nanni Moretti chegou à costa francesa no último Festival de Cannes. Em meio a tramas sobre morte, saúde mental e abuso de poder, a leveza de “O Melhor Está por Vir” contrastou e, talvez justamente por isso, não se destacou na seleção competitiva do maior evento de cinema do mundo.
Enquanto muitos se preocupavam com a aspereza dos campos de concentração de “Zona de Interesse” ou com a frieza do possível homicídio de “Anatomia de uma Queda”, o longa preferiu trilhar um caminho muito mais sereno e descomplicado, com uma trama que fala sobre o próprio cinema.
Nela, Moretti volta a tomar um lugar no elenco de um filme seu, desta vez como um diretor de cinema respeitado, que trabalha num projeto que tem dificuldade de sair do papel –por questões financeiras e também pelas manias do próprio cineasta, que atravessa uma crise conjugal e outra existencial.
Elas se relacionam, de certa forma. A mulher do protagonista Giovanni –nome do próprio diretor, deixando claro que há muito dele na trama– é também a produtora de seus filmes. Ao mesmo tempo em que ensaia deixar o marido, ela também tenta trabalhar com outros nomes.
Daí vem boa parte do conflito entre eles. Giovanni trabalha com a sutileza e a memória política de seu país, enquanto Paola, vivida por Margherita Buy, está pondo de pé o longa policial de um jovem diretor, cheio de histrionismo, tiros e sangue.
“A memória não é um ponto forte dos italianos, mas o Giovanni quer fazer esse filme, que podemos definir como anacrônico. É um projeto querido para ele, mas a verdade é que talvez aquilo já não importe mais”, disse Moretti, um tanto nostálgico, a um grupo de jornalistas no saguão de um dos hotéis de Cannes, em maio passado.
Vencedor da Palma de Ouro em 2001 por “O Quarto do Filho”, Moretti entrelaça, no novo filme, política, amor e cinema, tanto na trama de Giovanni, quanto naquela que o personagem dirige. O filme dentro do filme, por sua vez, acompanha uma crise do partido comunista italiano nos anos 1950, quando a Bulgária sofria nas mãos do ditador Todor Zhivkov, manipulado por Moscou.
Por isso, não é verdade que “O Melhor Está por Vir” não tenha passado por tensões que habitaram o último Festival de Cannes. A Guerra da Ucrânia, ali perto, continuou sendo assunto, e o filme, da sua maneira, também tocou no ponto da agressão russa a seus vizinhos.
“Nós escrevemos o filme antes da invasão da Ucrânia, mas ao olhar o material histórico que usamos nas pesquisas, ao ver os tanques soviéticos entrando em Budapeste, fiquei muito impressionado em perceber que essa história é muito contemporânea”, diz Moretti, que não passa muito tempo falando de política, mesmo este sendo um tema central de seu longa.
Sobre o momento atual da Itália, sob a primeira-ministra ultradireitista Giorgia Meloni, Moretti, que conta já ter feito parte de agremiações de esquerda, diz esperar que o atual governo ajude a esquerda italiana a reencontrar sua identidade, que ele acredita ter se perdido nos últimos anos.
Mas ele está mais interessado em falar de cinema, assim como “O Melhor Está por Vir”. Numa das melhores cenas do longa, Giovanni senta inconformado para uma reunião com a Netflix, em busca de financiamento e distribuição para o projeto que dirige.
Os executivos que o recebem, a cada frase entrecortada por termos em inglês, reforçam que “nossos conteúdos são vistos em 190 países, 190 países, 190 países!” –assim mesmo, repetindo o número à exaustão. O filme que o protagonista dirige, dizem, não serve para o streaming. Ele “queima lentamente e não explode”, falta a ele um momento “what the fuck?”, algo como “mas que merda é essa?”.
Defensor ferrenho da experiência cinematográfica tradicional, Moretti diz que faz seus filmes para as salas de cinema e suas grandes telas. E não se preocupa com a possibilidade de diretores autorais como ele perderem espaço e dinheiro –se chegar o dia em que ninguém queira financiar seu filme, como o de seu protagonista, ele vai simplesmente reduzir o orçamento.
“Meu público está em vários países, não 190, mas em vários. E eu sempre consegui financiamento. Quando esse dinheiro não estiver mais disponível, eu vou ter que inventar uma nova fórmula, só isso”, diz ele, que faz várias referências a Martin Scorsese em “O Melhor Está por Vir”, deixando clara sua admiração pelo americano.
Ele não esconde, porém, certo ressentimento em relação ao diretor do recente “Assassinos da Lua das Flores”, exibido naquele mesmo Festival de Cannes e arcado pelo Apple TV+. “Quando eu li que o Scorsese estava fazendo ‘O Irlandês’ para a Netflix, eu senti dor. Senti dor enquanto diretor e produtor, mas também enquanto espectador.”
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Fonte: Uol