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Em tradução indireta, chega ao leitor brasileiro a primeira parte do épico russo que ambicionava ser uma resposta do século 20 a “Guerra e Paz”, de Liev Tolstói.
Primeira parte do díptico que inclui a obra-prima “Vida e Destino”, “Stalingrado”, de Vassíli Grossman, é publicado a partir da versão para o inglês do britânico Robert Chandler, que tem a prática de intervir pesadamente nos textos de Grossman.
Em tradução da novela “Descanso Eterno”, ele havia suprimido três páginas, por considerá-las “relatos bastante enfadonhos, excessivamente generalizados de uma variedade de relações familiares infelizes”.
Aqui ele vai além. Embora em todas as edições russas o livro seja conhecido como “Por uma Causa Justa” —frase de Viatcheslav Mólotov, ministro soviético das Relações Exteriores, que é citada no romance—, ele afirma recuperar a intenção original do autor ao batizá-lo de “Stalingrado”. E produz, em parceria com Yury Bit-Yunan, sua própria versão da obra, detalhando em posfácio suas decisões editoriais.
“Vida e Destino” teve não apenas sua publicação proibida durante a vida de Grossman como o manuscrito confiscado. Potente e multifacetado, além de denunciar com veemência o Holocausto e a barbárie nazista, aborda com franqueza inaudita tabus no país dos sovietes, como a brutalidade da coletivização agrícola forçada, o antissemitismo na URSS, o banho de sangue da repressão política de 1937 e a desumanidade do “gulag”.
Ao falar da vitória militar em Stalingrado que definiu os rumos da Segunda Guerra Mundial, Grossman passou em revista os traumas da nação, e sua denúncia das semelhanças entre stalinismo e nazismo soa como uma contrapartida literária de “As Origens do Totalitarismo”, de Hannah Arendt.
Já “Stalingrado”, livro que o antecede, foi publicado em uma revista literária e indicado para o Prêmio Stálin em 1952. No ano seguinte, porém, o ditador inventou uma suposta conspiração de médicos judeus para assassiná-lo —e Grossman, de origem judaica, passou a ser atacado junto com seu romance.
O escritor chegou até a assinar uma carta pedindo a execução dos “médicos assassinos”, mas apenas a morte de Stálin, em 1953, permitiu que o falso complô fosse desmascarado, e o livro, publicado.
Afinal, se trata de uma obra dentro dos cânones do assim chamado “realismo socialista”. A menção ao extermínio dos judeus é bem breve, campos de prisioneiros não aparecem, as fazendas coletivas são exaltadas, e o nome de Stálin, sempre que mencionado, tem ressonância mítica.
Correspondente de guerra, Grossman descreve os combates com uma vivacidade difícil de superar. Mas aqui o impacto se dilui em meio às platitudes dos clichês oficialistas. Um dos personagens afirma, sem rodeios: “O grande Stálin pode nos salvar, e é o que vai fazer!”
Mais: as manifestações de arte de vanguarda são ridicularizadas. No segundo capítulo da segunda parte, em uma digressão sobre questões estéticas, Grossman deixa clara sua adesão ao “realismo socialista”.
“Quando leem romances obscuros, ouvem uma música complexa demais ou contemplam uma pintura assustadoramente ininteligível, as pessoas sentem-se angustiadas e infelizes”, ele escreve, para sentenciar em seguida, “a arte antinatural é uma barreira entre o homem e o mundo —impenetrável e opressiva, como uma grade de ferro”.
O que ele preconiza? “Um tipo de arte que não separa as pessoas do mundo; conecta as pessoas à vida, às outras pessoas e ao mundo como um todo. Não escrutina a vida através de lentes de cores estranhas”. E, para não deixar dúvidas sobre sua ortodoxia, arremata: “Tudo isso se aplica não apenas à arte; é igualmente verdadeiro para a ciência e a política”.
A desilusão com o endurecimento político da União Soviética no pós-guerra e com o avanço antissemita em seu país estilhaçaria o maniqueísmo que perpassa “Stalingrado”, e seria responsável pelos conflitos que fazem a força de “Vida e Destino”. Diante deste, seu predecessor soa pálido e ingênuo.
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Fonte: Uol