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Demorei alguns dias para digerir o discurso de Alex Atala na abertura de uma série de palestras que antecedeu a premiação do 50 Best Restaurants da América Latina.
O chef disse, textualmente:
“Vejo muitos consumidores que chegam na prateleira do supermercado e dizem: ‘esse azeite brasileiro é mais caro que o que veio de fora, então vou comprar o importado’. Mas, sim, pague mais caro por um queijo brasileiro, por um vinho brasileiro. Grandes ingredientes na Europa não são produzidos por grandes indústrias e sim por pequenos artesãos.”
Alex e eu estamos na mesma trincheira. Ambos defendemos a alimentação de qualidade, o acesso a bons ingredientes e mecanismos regulatórios para conter abusos da indústria alimentícia.
Sua declaração, porém, desce-me tão suave quanto um gole de cachaça de cascavel.
Dói o imperativo do chef: “pague mais caro”. Alex repreende o consumidor que ousa escolher pelo preço o que vai colocar no carrinho do mercado.
É de se deduzir, por suas palavras, que todos os problemas da produção artesanal no Brasil decorrem da falta de civismo do consumidor. Fosse ele menos sovina e individualista, tudo correria às mil maravilhas –uma vez que produtores, distribuidores e divulgadores atuam com a mais perfeita excelência.
Ao mencionar a “prateleira do supermercado”, Alex aponta sua insatisfação para um consumidor bem específico: o sujeito urbano de São Paulo, Rio ou Brasília, que tem dinheiro e instrução, mas nunca viu uma vaca ao vivo.
Esquece-se de mencionar o fôlego financeiro necessário para posicionar um azeite nacional ao lado dos Borges e Andorinhas na gôndola do Pão de Açúcar. Cabe distinguir os “pequenos artesãos” dos herdeiros bucólicos.
O artesanal que chega aos supermercados não é a farinha produzida há gerações num moinho movido a burro na serra dos cafundós do fim do mundo. Ela você encontra nos cafundós, na feira do MST e, nas cidades, em mercados operados por intermediários especializados –a exemplo do próprio Alex Atala.
Os artesanais de supermercado têm business plan, metas e departamento de marketing. Têm também tradição: tradição em acumular capital.
Em especial no interior paulista, a “revolução” do azeite, vinho e queijo é bancada por famílias sentadas há décadas numa pilha de dinheiro do agronegócio, mineração e outros ramos de atividade nada artesanais.
Não é passatempo de rico porque rico não tem passatempo, faz negócio. Absolutamente legítimo. Também é legítimo deixar de comprar seus produtos quando considerá-los caros demais.
Alex Atala traveste de ativismo social o lobby por interesses pessoais e corporativistas –aqui encampada toda a cadeia que sustenta a chamada alta gastronomia, inclusive jornalistas e influenciadores.
Ele faz o certo ao defender o dele. Derrapa feio ao conclamar o coletivismo pela subsistência da produção de artigos de luxo por famílias abastadas.
Sem eufemismo, alimento artesanal é luxo no Brasil. Gastronomia é luxo. Compra quem pode e quer.
A fila de causas mais urgentes para você depositar o ímpeto de transformar o mundo já está dobrando a esquina.
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Fonte: Folha de São Paulo