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Você já experimentou kimchi?
Se tivéssemos feito estas perguntas há dez anos, é possível que muitos respondessem com um sonoro “não”.
Mas, na última década, e especialmente desde a pandemia, a especialidade coreana ganhou destaque em supermercados, restaurantes e lares em todo o mundo.
Contamos o que está por trás da popularidade deste prato tradicional e como ele se tornou um negócio global multimilionário.
O que é kimchi
O povo coreano, hoje dividido entre o norte comunista e o sul capitalista, compartilha uma antiga tradição gastronômica em que vegetais, juntamente com o arroz, o peixe e a carne, são ingredientes básicos.
O inverno rigoroso da Península Coreana, com temperaturas inferiores a -20º graus em algumas regiões, favoreceu a prática da fermentação para preservar o teor nutricional dos vegetais nos meses mais frios do ano.
Especialmente no outono, as mulheres coreanas costumam fermentar espinafre, rabanete, folhas de gergelim ou pepino em casa.
Mas há um vegetal que ocupa um lugar especial entre os demais: a acelga, ou couve chinesa, principal ingrediente do kimchi.
Durante séculos, este produto fermentado foi onipresente nos lares coreanos, que quase sempre o conservam em uma geladeira exclusiva para ele e o servem em quase todas as refeições do dia, seja como acompanhamento ou cozido em sopas, ensopados e salteados.
Para preparar o kimchi, a acelga é cortada, salgada e misturada com uma pasta de alho, gengibre, cebolinha, pasta de peixe (jeotgal) e pimenta em pó (gochugaru).
Depois de adicionar rabanetes e outros vegetais opcionais, a mistura é deixada para fermentar em temperatura ambiente e depois na geladeira.
Tanto a escolha dos ingredientes como o tempo de fermentação — que pode variar de alguns dias a vários meses — contribuem com diferentes nuances para o sabor ácido e picante característico do kimchi.
“O sabor muda ao longo da fermentação e tem um gosto diferente dependendo de quem o prepara. Dizem que existem tantos sabores de kimchi quanto mães”, diz Cherin Park, pesquisadora-chefe do World Kimchi Institute, na Coreia do Sul, em entrevista ao podcast BBC Business Daily.
Como se internacionalizou
O seu aspecto cru, o sabor picante intenso e a sensação de ardor que produz na língua fazem com que o kimchi, inicialmente, não seja a iguaria mais atrativa para os ocidentais que o experimentam pela primeira vez.
Desde o século 17, milhões de coreanos se estabeleceram em comunidades no exterior, desde a Rússia e a China até os Estados Unidos e a Argentina.
Embora quase todas essas famílias tenham preservado a tradição de fazer kimchi e consumi-lo diariamente, nos países de acolhimento esse produto fermentado era praticamente desconhecido fora dos círculos coreanos. E no restante do mundo nem existia.
Mas a situação mudou.
O mercado global de kimchi foi avaliado em US$ 3,49 bilhões (R$ 17 bi) em 2022 e deverá crescer nos anos seguintes a uma taxa média de 5,2%, ultrapassando US$ 5 bilhões de dólares (R$ 24,5 bi) em 2029.
Há cerca de uma década, o kimchi deixou de ser um alimento conhecido e consumido apenas pelos coreanos para se tornar um produto moderno, disponível em supermercados de todo o mundo e promovido por chefs, celebridades e especialistas em alimentação.
Dois fatores tiveram influência crucial na rápida globalização do kimchi: a ascensão da Coreia do Sul como referência econômica e cultural no mundo, e a tendência crescente dos consumidores em dar prioridade à alimentação saudável, especialmente desde a pandemia de covid.
Razões para o sucesso
Consolidada como potência mundial nos setores eletrônico e automotivo, a quarta maior economia da Ásia virou também referência cultural pela música, com grupos como o BTS, cinema, como o aclamado “Parasita”, ou séries, como “Round 6”, entre muitos outros exemplos.
“A popularidade do kimchi está inevitavelmente ligada à popularidade da Coreia do Sul”, diz o jornalista de origem coreana da BBC David Cann.
Assim, o consumidor de conteúdo coreano se interessa pela dieta de seus ídolos do K-Pop, pelas receitas mostradas nas novas séries de moda ou pelos pratos que o protagonista de seu filme favorito degusta.
E, entre os ingredientes que aparecem na tela, raramente falta kimchi.
Há outra coisa que este prato proporciona em abundância graças ao seu processo de fermentação: lactobacilos.
Estes “são um dos maiores argumentos de venda do kimchi no mercado mundial como alimento probiótico com bactérias benéficas para a saúde intestinal”, afirma Park.
“Hoje em dia, a comida não é consumida apenas pelo seu sabor, mas pelos seus benefícios para a saúde e, pessoalmente, vejo o salto na popularidade do kimchi nos últimos anos”, acrescenta a pesquisadora.
É consenso entre os especialistas que o maior impulso veio depois da pandemia de covid-19, que multiplicou o interesse das pessoas por alimentos que ajudam a proteger e melhorar o sistema imunológico.
Desde 2020, as exportações sul-coreanas de kimchi cresceram a uma taxa anual superior a 10%, muito mais do que nos anos anteriores, segundo dados do Serviço Aduaneiro de Seul.
O número crescente de empresários que fazem negócios com kimchi também reflete o boom incomum dos últimos três anos.
“Durante a pandemia, as pessoas não podiam sair para comer. Muitos em casa começaram a se interessar pela comida coreana, buscando informações online e assistindo vídeos no YouTube. E, claro, não se pode falar de comida coreana sem nos referirmos ao kimchi”, afirma Dan Zhu, diretor-geral da Korea Food, o maior importador de comida coreana na Europa.
Zhu afirma ter notado um forte impulso nas suas vendas e uma diversificação dos seus clientes no Reino Unido: “anteriormente 90% ou 95% dos consumidores eram coreanos, mas agora entre 50% e 60% são britânicos ou de outras nacionalidades”.
Minha experiência com o kimchi
Descobri o kimchi em março de 2009, quando me mudei para Seul, onde trabalhei como locutor e correspondente pelos 7 anos e meio seguintes.
Chamou-me a atenção que os restaurantes coreanos sempre tinham, junto com o prato principal, uma variedade de acompanhamentos ou banchan, entre os quais quase nunca faltava kimchi, servido frio em uma tigela pequena.
Nas primeiras vezes que experimentei não gostei: o seu sabor acre e picante não combinava com o meu paladar espanhol.
Nos anos seguintes, com suor e lágrimas, minha tolerância ao picante aumentou e comecei a apreciar este produto fermentado, não só como acompanhamento, mas também cozido em kimchi jiggae, o guisado coreano mais popular, ou kimchi bokkeumbab, mexido com arroz e ovo frito.
Percebi que os coreanos estavam certos quando disseram que o kimchi vicia.
Quase sem perceber, passei de saborear em restaurantes, na casa de outras pessoas e a comprar no supermercado.
E, como não sabia preparar receitas coreanas, inventei uma nova especialidade com toque mediterrâneo: o macarrão kimchi.
Durante muito tempo, o fusilli com molho de alho, cebola, kimchi, bacon, mussarela derretida e folhas de gergelim ou kennip foi a estrela das reuniões sociais no meu apartamento em Seul.
Após deixar a Coreia do Sul em 2016, não me afastei completamente do kimchi, mas demos um tempo.
Durante anos, só o consumi ocasionalmente em restaurantes coreanos de um país ou de outro.
Agora que moro em Miami, tive uma recaída total à substância fermentada, talvez pela tendência à alimentação saudável imposta pelos cânones daquela que se diz ser uma das cidades mais superficiais e exigentes dos Estados Unidos. Ou talvez por nostalgia. Ou uma mistura dos dois.
Embora não existam tantas variedades como na Coreia, o kimchi é fácil de encontrar nos supermercados daqui e nunca falta no meu carrinho de compras.
Claro que, em linha com os meus hábitos mais saudáveis, troquei a massa de kimchi pela salada de kimchi, e grande parte das saladas que preparo e devoro diariamente incorporam a sua generosa porção de lactobacilos coreanos vermelhos e picantes.
Este texto foi publicado originalmente aqui
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Fonte: Folha de São Paulo