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Dois chefs paraenses inauguram em dezembro os primeiros criadouros para fins gastronômicos de muçuã, tartaruga amazônica ameaçada de extinção. A iniciativa integra o sistema de proteção do animal criado pela Embrapa, que gerencia outros oito aquaterrários no Pará.
Apesar de ser parte da cultura alimentar das comunidades tradicionais da região, o quelônio não é encontrado de forma legal em restaurantes —é crime vendê-lo. O centro de conservação, se tiver sucesso, deve pavimentar a legalização da iguaria.
A iniciativa surgiu de estudos com comunidades tradicionais da Ilha do Marajó, afirma José Ribamar Marques, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental que idealizou o projeto. Também participaram da concepção a Secretaria do Meio Ambiente do Pará, Universidade Federal Rural da Amazônia, a UFRA, e Universidade Federal do Pará, a UFPA.
Embora não se saiba quantos muçuãs existem na natureza, apanhadores ribeirinhos notaram queda no número dos animais. No passado, capturavam 80 sacas com 300 unidades cada; agora, são apenas cerca de dez.
“Um dos principais motivos é a caça desordenada”, diz o pesquisador.
Menor quelônio da Amazônia, o muçuã é uma tartaruga semi-aquática de 15 cm que vive nas beira dos rios ou lagos. As fêmeas produzem até quatro ovos por período de reprodução.
Com o risco do desaparecimento, a fiscalização estadual passou a ser mais rigorosa com a sua comercialização, mas isso não impediu as vendas clandestinas. O animal passou a ser transportado escondido no fundo de balsas, situação irregular com péssimas condições de vida.
A solução, diz o pesquisador, passa por criadouros que protejam a reprodução do bicho, mas que também permitam sua comercialização como pet ou ingrediente gastronômico. Nesse sistema, os moradores da região devem ser protagonistas.
“O projeto será um ativo de renda e emprego que, ao inserir a Amazônia na cadeia produtiva dos quelônios, evita a apanha ilegal”, afirma.
Segundo o Ibama, desde 2011, em razão da lei complementar nº 140/2011, cabe aos estados autorizar criadouros de fauna silvestre. No caso do Pará, a autorização vem da Secretaria do Meio Ambiente, que também deve participar da fiscalização dos criadouros.
Em dezembro, o núcleo de proteção do muçuã inicia as atividades com 599 espécimes —a maioria fêmea. Na planta dos aquaterrários, há espaços dedicados para reprodução, berçário e abate.
Apenas os machos excedentes serão usados como alimento. Quando adultos, pesam em média 400 g, dos quais só 180 g são carne. Na criação controlada, os muçuãs podem chegar até 800 g, com maior rendimento proteico.
Para evitar o sofrimento no abate, os animais devem ser colocados em água gelada por 1 hora, o que desacelera o metabolismo. Já sem dor, as tartarugas são congeladas por 3 horas. Só então podem ser cortadas e fervidas.
Delano Souza, da cidade de Salvaterra (PA), na ilha do Marajó, é um dos chefs envolvidos no projeto. Ex-petroleiro, ele comanda um espaço gastronômico para eventos e festivais. Todo alimento usado vem de fazenda própria, que produz abacaxi, macaxeira, galinhas, patos, búfalos, porcos, e agora, muçuã.
O convite para se tornar um produtor conservacionista partiu de Marques, da Embrapa, há 3 anos. Assim como muitos paraenses, Souza lembra do muçuã como comida da infância. Por isso, ele quis participar da iniciativa.
“O quelônio sempre esteve presente aqui, mas não havia preocupação com a conservação”, explica o chef. “Estou no projeto para aumentar o número da espécie, sempre com respeito, conhecimentos técnicos e de forma responsável”.
Já que a produção de carne ainda deve ser pequena, o chef pretende usar o muçuã em um menu-degustação, como um ingrediente da alta gastronomia amazônica. Pela mesma razão, o preço não deve ser acessível no começo.
Souza quer usar o muçuã em receitas clássicas como picadinho, moído na ponta da faca, ou em pratos mais autorais, combinado com jambu ou misturado ao tucupi.
Além da degustação, quem for ao espaço do chef vai participar de uma vivência nos criadouros para entender como funcionam os aquaterrários de conservação.
Mas a produção de carne pelos criadouros comerciais conservacionistas deve começar só no final de 2024. “O projeto apenas está começando”, diz o chef. “Somos os pioneiros, mas seremos multiplicadores do modelo de conservação.”
Paulo Anijar, que comanda o restaurante Santa Chicória, em Belém, é outro produtor conservacionista, que incentivou o projeto desde o seu início. O chef, que vê no muçuã uma iguaria de sabor único, afirma que vai utilizar a carne de forma tradicional, com temperos que valorizem ainda mais o seu sabor.
Um dos pratos mais tradicionais com o animal é o casquinho de muçuã, quando a carne é servida dentro da própria carapaça.
Anijar diz que sua principal motivação é reintroduzir a espécie no consumo de forma adequada. “Com o criadouro, quero conscientizar os adoradores do querido quelônio”, afirma.
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Fonte: Folha de São Paulo