[ad_1]
“Cuscuz paulista é a pior comida do Brasil.”
É mesmo, é? Você concorda? Discorda? Acredita? Quem disse isso aí? Dá para confiar?
A condenação categórica do cuscuz “sudestino” veio do TasteAtlas, plataforma colaborativa que se tornou fonte preferencial de pautas da imprensa especializada em comida.
O rolo do cuscuz (uma treta antiga da internet, opondo paulistas ao resto do país) rendeu manchetes. Revoltou a Ana Maria Braga e foi assunto por dias nas redes sociais. Um debate tão produtivo quanto uma turbina de avião girando em falso: faz um barulho do inferno, consome energia e não leva a lugar algum.
Volto ao tema porque, quando o ano está para terminar, é tradição no jornalismo encher linguiça com retrospectivas e balanços. Não ouso desafiar a tradição e afirmo: 2023 foi o ano do TasteAtlas.
Ouvi alguém aí dizer “grande porcaria”?
Concordaria, se o fenômeno fosse restrito ao cuscuz paulista e aos debates frívolos no chiqueirinho do Elon Musk.
Ocorre que as listas bizarras de comida –repare que até evitei usar o adjetivo “idiotas” para não perder engajamento– são apenas uma faceta periférica de algo muito, muito grande.
Trata-se de como a informação circula e de que forma isso afeta a sociedade. O cuscuz paulista é irrelevante, sinta-se à vontade para descer o lenho.
Ressoa na minha cabeça o artigo de Suzana Herculano-Houzel publicado, aqui na Folha, no dia de Natal. A neurocientista afirma que a tecnologia avançou mais rapidamente do que nossa capacidade de compreendê-la e, por conseguinte, empregar adequadamente as ferramentas que nós mesmos criamos.
O caso do TasteAtlas é um exemplo tardio de como a imprensa, desde muito maravilhada e estupefata com a tecnologia, está perdida.
Qualquer um entra na plataforma, cadastra-se e vota. Se os fãs da picanha se organizam para uma ação em massa –ou são direcionados para tal por outras redes sociais–, cravam no TasteAtlas que a carne é a melhor comida do mundo.
Foi o que também aconteceu. A informação, replicada por Deus e o mundo, está lá com jeitão de verdade verdadeira.
Então suponhamos, num exercício delirante de imaginação, que a picanha se candidate à Presidência da República e perca. Virão os picanhistas contestar o resultado, porque não é possível, foi roubado, tem que melar tudo e S.O.S. Forças Armadas.
Quando a imprensa profissional –no caso, todos os portais brasileiros de alguma relevância– reproduz sem critério as listas enviesadas e fuleiras do TasteAtlas, ela assina um termo de rendição.
Reconhece que é refém da informação de baixa qualidade feita sob medida para gerar ruído improdutivo na internet. Assume que lhe faltam recursos para produzir, ela própria, algo melhorzinho.
E olha que nem ousei perscrutar o estrago que a inteligência artificial promete fazer.
Enfim, meu espaço está acabando e 2023 também. Resistamos. Sirvamos cuscuz paulista na ceia do Réveillon. O negócio é morrer atirando.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
[ad_2]
Fonte: Folha de São Paulo