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Vamos buscar vinhos mais frescos para a ceia de natal? Nada contra os vinhos encorpados, mas com este calor, os frescos vão melhor. Não é só o Papai Noel, com sua roupa de neve, que sofre no natal calorento do Brasil. As comidas tradicionais e aquele vinho tinto caro e pesadão, guardado para beber em ocasiões especiais, não combinam nada com o clima brasileiro e nós penamos com isso. O calor da noite, o adiantado da hora, a gordureba da comida e o peso do vinho, pelo menos para mim, são a receita certa para ficar empanturrada, ter queda de pressão e passar mal.
Depois da ceia, sempre tenho a sensação de que comi demais, mas isso nem sempre é verdade. Em geral, paro antes do prato principal. E, olha, não sou uma pessoa de me empanturrar facilmente. O problema é o calor e a escolha do cardápio e do vinho. Confesso, muitas vezes escolhi o rótulo só porque era “o mais bacana da minha adega”, sem considerar que o termômetro estava marcando 28 graus à meia-noite.
O que fazer para evitar essa sensação de ter comido um boi? Introduzir saladas e comidas leves no cardápio é sempre uma boa opção, mas a gente sabe o quanto é difícil desapegar de tradições familiares. Então, para quem não abre mão do tender e do peru recheado, uma ideia é harmonizar os pratos natalinos com vinhos mais leves e frescos (azedinhos), que possam ser servidos a uma temperatura mais baixa. Eles podem até transformar a ceia em algo mais leve.
Tender e malvasia: vinho doce pode ser ótimo
O consumidor médio morre de medo de gostar de um vinho doce, pois ouviu dizerem um milhão de vezes que só quem não entende de vinhos gosta de vinho doce. No fundo, muita gente gosta do vinho doce, mas poucos têm coragem de assumir. No entanto, um prato como tender a Califórnia, que tem pêssego, abacaxi e cereja em calda, ou seja, é cheio de açúcar, dificilmente fica bom com um vinho seco, muito menos se for tinto.
Um vinho com boa acidez e algum açúcar pode ser a combinação perfeita para esse prato. Se for espumante, melhor ainda. As borbulhas limpam o paladar da gordura. Como é natal, talvez você queira investir em algo especial como o Cava Freixenet Malvasia 2011, que custa R$ 219,00.
Além de já ter 12 anos, esse espumante do método tradicional leva um licor de expedição preparado com vinhos que passaram mais de 20 anos em madeira. O licor de expedição é uma mistura de vinho e açúcar (em diferentes quantidades de acordo com o objetivo do produtor) com a qual se costuma completar as garrafas depois da retirada da borra e antes de mandá-las para o mercado, para completar o espaço que ficou vazio.
Esses vinhos velhos do licor de expedição dão a este espumante aromas de frutos secos e notas (positivas) de oxidação. Chega a lembrar um jerez. Provei sem pôr muita fé e amei. Sugiro que o tender seja cortado bem fino e servido de entrada com este espumante ou um bom moscatel brasileiro. Há muitos no mercado, por preços ótimos.
Bacalhau também vai bem com branco
Portugueses não podem deixar de comer bacalhau na noite de natal. É muito tradicional. Como, segundo eles, bacalhau não é peixe, é muito comum beberem vinho tinto para acompanhá-lo. Sinto discordar, mas, sim, bacalhau é peixe. E, como peixe, na minha opinião, combina mais com branco do que com tinto. Isso porque o iodo que há nos peixes do mar se combina com os taninos e provoca um gosto metalizado desagradável.
Claro, as regras de harmonização não são pétreas. Na verdade, não são regras, são sugestões. E a combinação de vinho e comida precisa levar em consideração os vários ingredientes de um prato. Então, uma bacalhoada ao forno, com azeitona, tomate e pimentão assados, por exemplo, vai bem com tintos.
Já o bacalhau a lagareiro, que leva só lombo de bacalhau, azeite e alho, certamente fica melhor com um bom branco como o Carmim Régia Colheita, que está por R$ 151,90 na Casa Flora. Um corte de antão vaz e arinto, esse alentejano tem boa acidez, aquele azedinho que quebra um pouco a gordura do prato, com um corpo de médio para alto, o que faz com que ele não suma na boca quando encontra o bacalhau e o azeite. Se não for ele, qualquer branco com essas características deve fazer bonito. Os aromas aqui são de frutas brancas e um leve cítrico.
Rosé da Provence traz delicadeza para o Peru
Peru é um dos pratos mais difíceis de fazer. Difícil não ficar seco. O segredo é enchê-lo de líquido e gordura. Regar a ave com suco de laranja, por exemplo, várias vezes enquanto está assando. Colocar bacon ou manteiga entre a pele e a carne.
Para encarar essa gordura toda, um vinho precisa de boa acidez e não pode ser pesado ou untuoso. Tinto nem pensar. Passa cima do sabor delicado da carne e não faz frente à gordura do tempero. Eu iria de rosé.
Dentro do perú vai uma farofa – bem úmida de preferência. Uma farofa com azeitonas verdes, cebola e mais gordura (azeite ou bacon), talvez um pouco de caldo de frango caseiro, é o que me vem à cabeça. Tudo isso combina bem com um rosé da Provence. O Château Sainte Béatrice Cuvée des Princes é a minha sugestão.
Do mesmo grupo que faz o prestigioso Château Roubine, este é um típico cotes de Provence. Feito com um blend de cinsault, grenache e syrah, tem aromas de frutas vermelhas, algo de ervas aromáticas e uma deliciosa lavanda. Super fresco na boca. Está por R$ 118,00 no e-commerce da La Pastina.
Carne vermelha pede tinto, mas não precisa ser pesado
Na festa da sua família, não pode faltar uma carninha? Seu pai ama um churrasco de picanha? Então, vamos pensar em um tinto para acompanhar. Não precisa ser um porradão, cheio de álcool e tanino. Os taninos são substâncias de defesa das plantas, que concentram-se principalmente na casca e no caroço. Existem para espantar insetos e outros animais. Taninos são. difíceis de digerir. Então, vamos tentar um vinho que ajude a comida a descer, algo com menos tanino.
Quanto mais fina a casca da uva, menos tanino terá o vinho. A pinot noir é o exemplo mais conhecido de uva de casca fina e pouco tanino. A gammay também. Outro fator que influencia na quantidade e na qualidade dos taninos é a idade das videiras. As mais velhas costumam concentrar mais de tudo, tanino, aromas, material corante, mas tudo costuma ser elegante.
O enólogo, contudo, tem uma boa margem de manobra para regular a quantidade de taninos num vinho. Se quiser aumentar a quantidade de taninos, buscar por um vinho com mais corpo e estrutura, deixa o mosto (suco da uva) mais tempo em contato com as cascas. Assim, extrai mais taninos delas. Se isso não for suficiente, pode até jogar os engaços (cabinhos) para macerar junto com o mosto e a casca.
Se quiser menos tanino, mesmo com uma uva de casca grossa, basta diminuir o tempo de contato entre o mosto e a casca. A uva siciliana nerello mascalese, por exemplo, cujos vinhos têm sido colocados no mesmo time de grandes italianos como o brunello de montalcino e o barolo, costuma render vinhos com uma quantidade razoável de taninos. Em geral, mais finos, o que é bom. Ainda assim, o enólogo pode decidir por um vinho mais leve, principalmente se ele é feito de vinhas mais jovens. Nesse caso, deixa as cascas em contato com o mosto por muito pouco tempo.
Barricas de carvalho também agregam taninos aos vinhos. Por isso, no Natal, fuja delas. O Nicosia Nerello Mascalese, por exemplo, não passa por barricas. É um nerello fresco e frutado, que vai muito bem numa noite quente. Ele não leva a denominação Etna Rosso, à qual pertencem os nerellos mais famosos. É um Terre Siciliane IGT (indicazione geographica tipica). Isso significa que ele segue regras menos estrictas. No site do produtor, encontramos a informação de que ele é feito de uvas das encostas do Monte Etna, então, para não receber a DOC Etna, outra coisa ele tem que está fora das regras da DOC. Talvez sejam vinhas mais novas, o rendimento por hectare seja mais alto ou qualquer outra regra não seja cumprida. O importante é que é um vinho muito gostoso, que desce fácil. Custa R$ 134,00 na Zahil.
Um moscatel de setúbal pode acompanhar a rabanada ou ser ele mesmo a sobremesa
Brasileiros adoram açúcar, mas perderam o costume de beber vinhos de sobremesa. Isso foi comum da época da colonização até a primeira metade do século 20. Chegamos a ser os maiores importadores de vinho do porto, depois da Inglaterra. Hoje não estamos nem entre os principais importadores. Outros vinhos de sobremesa, então, quase ninguém sabe que existem. Para beber com rabanadas, porém, só os vinhos de sobremesa vão bem. Mesmo os espumantes meio-secos não têm açúcar suficiente e podem causar aquela sensação de bolo com refrigerante na boca.
Vinho de sobremesa tem muito álcool. Cuidado, não exagere senão a temperatura corporal vai subir. Sirva numa temperatura mais baixa e procure um vinho de sobremesa com maior acidez. Alguns deles, como os também portugueses vinhos da madeira e os moscatéis de setúbal se destacam por sua acidez. O moscatel é uma delícia e costuma custar mais barato do que porto ou madeira. O Alambre da José Maria da Fonseca, por exemplo, custa R$ 147,51 na Decanter. Tem aromas de casca de laranja e especiarias que devem ir muito bem com a rabanada.
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Fonte: Folha de São Paulo