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Você não precisa fingir que gosta de panetone. Tudo bem, sem problema.
De mais a mais, esse negócio aí que você compra –recheado de brigadeiro, trufado ou de frango com catupiry– nem deveria ser chamado de panetone.
Se serve como estímulo para você sair do armário, eu dou o primeiro passo. Não gosto de panetone. Pronto, falei. Quer saber minha história? Não? Vai saber mesmo assim.
Minha avó materna morava no Ipiranga. No fim da rua dela, ficava a fábrica dos panetones Visconti –à época, rival da marca Bauducco, que a compraria anos mais tarde.
Todo sábado tinha visita à casa da vó. O cheiro doce tomava o ar do bairro. Eu, com 5 ou 6 anos, amava aquele cheiro que entrava pela janela do Opala branco do meu pai.
Então a família parava na loja de fábrica e comprava uns panetones. Em casa, a mãe punha a mesa, passava um café e abria o panetone sobre a mesa da cozinha.
Lembro da decepção ao cravar a boca naquilo. Peraí, é pão? Não é bolo? É seco, né? Meio ácido. E essas frutinhas borrachudas no meio? Nem de longe aquilo estava à altura do aroma divino que saturava a atmosfera do Ipiranga.
Acho que minha geração foi a primeira a rejeitar o panetone tradicional, com passas e frutas cristalizadas, o único disponível quando eu era criança.
Minto: fui pesquisar aqui e descobri que em 1978, portanto quando eu tinha 8 anos, a Bauducco lançou o chocotone. Uau, chocolate no lugar das sórdidas frutinhas! Nunca teve em casa, os velhos eram 100% tradição nesse particular.
O surgimento do chocotone sinaliza que a Bauducco entendia perfeitamente a transformação dos padrões de consumo no Brasil.
O panetone, muito querido por uma parcela restrita da população (os ítalo-brasileiros e seus agregados), não emplacava entre os mais jovens. Era lanche da tarde de gente velha.
Sabemos o resultado dessas metamorfoses do gosto. Elas nos deram o açaí com mil xaropes e complementos, o bolo vulcão, as overdoses de Nutella com leite ninho.
Não dá nem para pendurar na fatura dos americanos. Somos tacanhos à nossa própria maneira e orgulhosos disso –nenhuma outra sociedade seria capaz de perpetrar o dogão de Osasco.
Como disse uma amiga, é o ativismo da larica. Institucionalizamos as atrocidades alimentares cometidas pela compulsão de indivíduos maconhados.
Para saciar tanta larica, chocotone já não bastava. Sóbrio demais, doce de menos. Por outro lado, panetone fazia girar muita grana no Natal. Não era o caso de trocá-lo por outra coisa.
E assim criaram o panetone trufado, o panetone sabor churros, o panetone de pistache, o panetone de bolo de cenoura, o coxinhatone, o acarejetone e o sushitone de atum e salmão –tosqueira campeã de audiência na temporada natalina 2023.
Em suma, panetones para quem não gosta de panetone, como eu e você.
A rigor, nenhum deles é panetone. Mas assim todos são chamados e seguirão sendo.
Afinal, o Natal não seria Natal sem um punhado de mentiras do bem.
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Fonte: Folha de São Paulo