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A degustação é uma experiência sensorial que envolve muitos sentidos: primeiro observamos a cor do vinho, depois sentimos os aromas, ao final experimentamos o sabor e a textura, mas dificilmente usamos a audição. É curioso, então, que tenha sido justamente o ouvido que tenha levado o artista visual norte-americano John Wurderman para os vinhos da Geórgia. Interessado em música folclórica, ele se apaixonou pelo país ao ter acesso a um CD de música polifônica. Foi sua porta de entrada para uma cultura rica e intimamente ligada à bebida.
Localizada entre a Europa Oriental e a Ásia Ocidental, entre o Mar Negro e a cordilheira do Cáucaso, a Geórgia é possivelmente o berço do vinho, com indícios arqueológicos de mais de oito mil anos, e tem 500 variedades de uvas nativas. Com uma história marcada por dominações por impérios como o Romano, o Persa, o Bizantino, o Russo e mais tarde ocupada pela União Soviética, o país nunca deixou de produzir e beber seu próprio vinho, mesmo na campanha antiálcool promovida por Gorbachev na década de 1980.
Ao chegar no país, Wurderman percebeu que, assim como a música, a bebida georgiana tinha um tipo “feito para exportação”: as que eram produzidas e consumidas pelos locais eram vibrantes, cruas, tensas; as que eram apresentadas a quem vinha de fora eram mais polidas, sem tanta identidade ou personalidade. Era o primeiro tipo que o interessava e que ele queria levar ao mundo.
Em 2006, uniu-se ao fazendeiro Gela Patalishvili, seu sócio até hoje, e juntos começaram a Pheasant’s Tears, uma vinícola que tem como ideia principal reproduzir o vinho tradicional georgiano. Isso inclui o uso das qveri, ânforas de argila revestidas de cera de abelha. Elas são preenchidas apenas com as variedades locais cultivadas de forma orgânica e, depois, enterradas. Segundo as palavras de Wurderman, em pouco tempo, ele e o sócio começaram a tirar “do ventre da terra vinhos âmbar e laranja que eram rústicos, mas muito sinceros”.
Hoje, quase 20 anos depois, a Pheasant’s Tears tem vinhedos em oito regiões do país. No leste, onde o clima é continental, seco e quente, os vinhos são estruturados e profundos, com muitas camadas e muito tanino; no oeste, onde é úmido e os solos são argilosos e calcários, o resultado são bebidas leves, frescas e minerais. Com essa variedade de terroir, há 17 rótulos, entre brancos, laranjas, rosés e tintos, espumantes ou tranquilos.
Provei alguns desses vinhos, que são trazidos ao Brasil pela importadora Europa. O mais distinto foi o Pheasant’s Tears Khikhvi 2020 (R$ 272), um laranja feito em ânfora com notas de argila. Se soa esquisito, funcionou como um palco para a comida, melhorando o sabor de tudo o que o acompanhou. Provei também o branco Tsolikouri 2022 (R$ 297), rústico num primeiro momento, mas que se beneficiou muito do contato com o oxigênio (recomendo decantá-lo), mostrando mineralidade e notas vivas de limão. Já o rosé Vardisperi Rkatsiteli 2022 (R$ 322) é extraordinário, com notas florais ricas mas não enjoativas e de framboesa bem fresca. Na boca é vibrante, também mineral, volumoso e tem taninos sutis. É supergastronômico.
Chega ainda ao Brasil em dois meses o Poliphonia (R$ 272), feito com mais de 200 variedades de uvas plantadas em meio hectare de terra em field blend (todas juntas e misturadas). É um dos cartões de visita do que a Pheasant’s Tears se propõe a fazer.
Vinhos com essa história e esse tipo de personalidade chamaram a atenção internacional, com menções entusiasmadas de críticos como Jancis Robinson, do Financial Times, e Eric Asimov, do New York Times. “A melhor forma de resgatar uma uva é mostrar às pessoas a sua beleza. Os vinhos são como filmes: há os blockbusters, que vendem muito e agradam multidões; e há os filmes de arte, que são mais contemplativos, reflexivos, tímidos, assimétricos, mas são os que ficam conosco no nosso pensamento”, me disse Wurderman em uma troca de áudios por WhatsApp.
Neste diálogo nada tradicional, ele me contou também que, quando começou o projeto de sua vinícola, não tinha ideia de que seguiam a filosofia do vinho natural, que também dava os primeiros passos naquela época. Hoje, a Pheasant’s Tears é um nome forte do movimento e uma das estrelas da feira Naturebas, que acontece neste fim de semana em São Paulo.
Wurderman em ao Brasil e está feliz e animado para reencontrar Lis Cereja, a organizadora do evento e de caravanas anuais para a Geórgia, e conhecer a produção natural da América do Sul, um mundo distante para ele. “Quero conhecer o aroma, a textura, o sentimento desses produtores da América do Sul e espero levar um pouco das vozes antigas e das raízes da Geórgia.”
Vai uma taça?
Pensando em origens europeias pouco exploradas por aqui, uma boa sugestão são os vinhos Klet Brda Quercus feitos na Eslovênia, especialmente o Pinot Grigio, que tem notas cítricas e florais, e o Pinot Bianco, que é mais tropical e vivo. Ambos são importados pela Berkmann e custam R$ 139.
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Fonte: Folha de São Paulo