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Um brasileiro, um chileno, um italiano e um francês entram num bar. Quer dizer, numa vinícola. Não, não vou contar uma piada, mas a história de um projeto tão pequeno quanto ambicioso, que tem como objetivo fazer grandes vinhos em um terroir que ninguém conhece —até agora.
A história começa com o advogado brasileiro Pedro Testa, que, junto à mulher, Tessa Vieira, resolve comprar umas terras no Vale da Grama, no interior de São Paulo. A ideia deles é criar gado, mas logo fica claro que estão fazendo besteira, já que os vizinhos ganham prêmios com seus produtos agrícolas de primeiríssima qualidade, café e azeite especialmente.
Depois de provar um vinho paulista no aniversário de um amigo, um tinto produzido a 90 quilômetros de suas novas terras, o casal decide por um novo caminho para seu negócio, apesar de não conhecer ninguém ali na região apostando em uvas.
Era 2017, quando a expansão das fronteiras do vinho brasileiro para o Sudeste era assunto quente e as primeiras garrafas chegavam ao mercado. Resumindo a história para quem ainda não a conhece: tudo isso aconteceu graças a uma nova técnica desenvolvida por um brasileiro, o engenheiro agrônomo Murillo de Albuquerque Regina, que altera o ciclo das vinhas. Nas regiões mais tradicionais de produção de vinhos, a colheita das uvas é invariavelmente feita no verão. No Sudeste brasileiro, porém, essa estação tem chuvas muito intensas, que podem diluir sabores e aromas das frutas. A técnica da poda invertida permite que a colheita seja feita no inverno, quando o Sudeste tem dias quentes e noites frias. Com isso, as uvas têm a maturação ideal com o sol e o calor do dia e mantêm a acidez com o frescor da noite.
Essa técnica expandiu a fronteira de produção brasileira para além do Sul, indo para os estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e até o sul da Bahia, na Chapada Diamantina. E, em todas as regiões, a variedade que se deu melhor foi a syrah.
Animado com a nova perspectiva, Testa não hesitou em procurar Murilo Regina e adotar a poda invertida, mas bateu o pé sobre uma coisa: a despeito das recomendações pela uva do rhône, queria investir nas tintas de Bordeaux —merlot, cabernet sauvignon, cabernet franc entre as tintas; sauvignon blanc e semillon, entre as brancas.
Quando enfim tinha tudo plantado e os vinhedos em formação, Testa encontra o chileno da história. Era o enólogo Christian Sepúlveda, que havia trabalhado na Guaspari, em Espírito Santo do Pinhal, e então prestava consultoria a outras vinícolas que adotavam a técnica da poda invertida. Ele olhou a propriedade do brasileiro e desdenhou: “Isso é apenas paisagismo!”. Para o especialista, terra boa mesmo era a que estava ao lado da Fazenda Santa Maria, que não estava à venda.
Como diz outra piada, para virar milionário basta começar bilionário e comprar uma vinícola. Testa, que já tinha chegado ao limite das possibilidades de investimento, dobrou a aposta e conseguiu comprar as terras ao lado, onde fica um paredão de granito. Hoje tem sete hectares de videiras plantadas entre 950 metros e 1.000 metros de altitude, o que já é bastante interessante para a viticultura (para se ter uma ideia, o vinhedo Adrianna, considerado o “grand cru” da Catena Zapata, está situado a uma altitude de 1.500 metros no Vale de Uco, em Mendoza).
Mais que isso, chama a atenção o solo do lugar. A região, que abrange 11 municípios paulistas e mineiros, está na zona central de um maciço vulcânico que esteve em atividade há mais de 100 milhões de anos. Para o vinho, “terra vulcânica” é senha para algo interessante, como nos atestam os sicilianos da região do Etna, um “must” no mundo do vinho hoje. Esse tipo de solo oferece mais minerais e excelente drenagem para as raízes das vinhas.
Testa ainda conseguiria se aliar a duas figuras de peso: passou a receber consultoria do italiano Massimo Leoncini, sommelier experiente que já passou pelo três estrelas Michelin Enoteca Pinchiorri, grupo Fasano, Grand Cru e é chefe de bebidas do grupo St. Marché, e de Pierre Lurton, presidente do conselho de administração do Château Cheval Blanc e presidente do Château d’Yquem, algumas das marcas mais prestigiosas do vinho de Bordeaux.
O francês, que é apontado pelo mercado como o grande trunfo da nova vinícola, tem ajudado Testa a chegar aos blends ideais, num tour de force que proporciona sessões de teste e degustação que entram madrugada adentro e recomeçam ainda pela manhã. “Tem um enorme nível de detalhe para chegar a isso”, diz Testa em referência ao Casa Tés, seu primeiro vinho, um corte de cabernet franc (75%) e merlot (25%). “O cara é o Pelé. Eu vi o Pelé jogando.”
Mas, se para completar a piada ainda faltava um americano, é dos EUA que vem o sistema de alocação, muito comum na Califórnia, que a vinícola adotou para vender seus vinhos, que têm produção limitada (5.000 garrafas por enquanto, e não deve subir demais). Se o preço não for um impeditivo, a ideia é cadastrar nome e email e esperar receber informações e o aviso de que a compra está liberada. São poucos os restaurantes em São Paulo e no Rio que vendem os rótulos. “Eu não sei fazer esse negócio grande”, diz Testa.
Hoje, há três rótulos: o vinho de entrada branco Grama Sauvignon Blanc 2024, que traz certa tropicalidade nas notas (maracujá), mas com um acento floral também e um corpo surpreendente para a variedade, sai a R$ 250; o Grama tinto, que na safra 2024 vem num mix de 45% de cabernet sauvignon, 45% de syrah e 10% merlot, é fácil e frutado e vendido a R$ 340; e o Casa Tés, o principal, que mostra bom potencial e muito mais complexidade, custa R$ 520.
Vai uma taça? Outros vinhos interessantes feitos com a técnica da poda invertida são o tinto Syrah Dom de Minas, do Luiz Porto (R$ 104), que traz uma boa pimenta preta típica da variedade; o premiado Sacramento Sabina Syrah Rosé (R$ 132), que tem uma acidez viva e muita elegância, além de uma cor linda; e o espumante Casa Verrone Brut (R$ 89), que é leve, fresco e perfeito para tomar num dia quente, até sem comida.
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Fonte: Folha de São Paulo