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Numa galeria no pé de um prédio em Santa Cecília, entre comércios tão diversos quanto uma loja de malas de viagem, outra de produtos congelados e uma barbearia, um letreiro em branco chama a atenção, tanto pelo ar moderninho em meio a estabelecimentos de visual tradicional quanto pela palavra que estampa.
Compreensível para muitos da comunidade judaica do bairro paulistano e estranha para a grande maioria, Glidah —sorvete, em hebraico— batiza a sorveteria aberta há seis meses com receitas que fogem do óbvio.
Não é que não tenha sabores mais comuns, mas o que salta aos olhos são opções como o Malabie, com água de rosas, pistache e coco, o Dvash, de mel com flor de laranjeira, e o Strudel da Babe, com calda de maçã e canela, uma sobremesa clássica associada à culinária dos judeus ashkenazi, do Leste Europeu.
“Tentei me lembrar de doces que comia na casa da minha avó, e por isso o sorvete de strudel é da Babe, como eu a chamava, vovó em ídiche”, conta Ronny Trojbicz, 48, dono da Glidah. “Também resgatei coisas não só relacionadas ao judaísmo, como pratos do Oriente Médio em geral. Há muito em comum.”
O Malabie, por exemplo, faz referência ao manjar árabe presente no Líbano que pode ser servido de várias maneiras, muitas vezes com damasco. Já o Dvash leva ganache de halwa, outro doce árabe, feito com gergelim torrado. O fato de ser um sorvete de mel, segundo Trojbicz, é também uma forma de espelhar uma passagem da Torá, o livro sagrado do judaísmo, que descreve Israel como uma terra que emana leite e mel.
O ofício é algo um tanto recente para o paulistano, que começou a mexer com uma sorveteira por volta de 2017, tudo na base da tentativa e erro. Passou a vender o que produzia em casa para amigos, fez cursos, e, com a Covid, a atividade caseira virou negócio sério, já que o trabalho no ramo de confecção teve de parar.
“O sorvete salvou a minha sanidade na pandemia. A confecção estava fechada, mas eu trabalhava 14 horas por dia. Das 8h até as 22h”, afirma ele, que naquela época fazia os sorvetes, atendia os pedidos, entregava-os de bicicleta pelo bairro e, ao voltar para casa, iniciava a preparação para a produção do dia seguinte.
Até então, vendia sorvetes mais tradicionais, algo que a Glidah ainda conserva. Assim, quem não for afeito a experimentações pode provar sabores como chocolate branco ou belga e, num nível intermediário, queijo. Outras opções do tipo, como o sorbet de laranja e o de figo com mel, remetem a frutas comuns em Israel.
Seja qual for o sabor, é possível pedir o sorvete numa laffa, como Trojbicz chama os cones que criou, em outra referência árabe. No original, o pão folha, salgado, é muitas vezes usado em shawarmas, enquanto na versão da Santa Cecília a receita é aromatizada com baunilha, o que deixa a base levemente doce.
Mesmo que ofereça versões de receitas judaicas, judeus ortodoxos não costumam frequentar a sorveteria, já que a loja abre aos sábados, o dia do descanso semanal segundo o judaísmo, e os sorvetes não são kosher, cujo preparo obedece regras como o veto ao consumo de produtos oriundos de alguns animais.
Ainda assim, os ortodoxos, quem sabe, podem passar pela Glidah para ao menos visitar o mini muro das lamentações numa parede da fachada da loja, onde os clientes colocam bilhetes entre as suas pedras, como no original, em Jerusalém. “É mais um simbolismo. Brinco que é o muro das tentações, a gente não lamenta nada. Não tem que colocar só desejo, só sugestão, pode colocar o que quiser”, afirma Trojbicz.
Segundo ele, desde que abriu a sorveteria, não tirou os papéis e, assim, não sabe quais são as mensagens. A reportagem, porém, flagrou uma criança escrevendo um bilhete para colocar no muro. Com a letra de quem foi alfabetizada há pouco e articulação admirável, ela pediu “o fim das guerras e da dengue”.
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Fonte: Folha de São Paulo