[ad_1]
Os planos para o fim de semana incluíam uma degustação de cogumelos porcini frescos.
Até pouco tempo atrás, encontravam-se no Brasil apenas os funghi desidratados, importados da Itália. Recentemente, foi descoberta a ocorrência selvagem do gênero Boletus em algumas regiões do país.
Os italianos quedaram-se incrédulos. Era absolutamente impossível. Funghi porcini, só nos bosques temperados de carvalhos e castanheiras.
Por fim, aceitou-se que o cogumelo brasileiro era o mesmo da Europa. Presume-se que seus esporos tenham viajado em carregamentos de madeira ou mesmo na bagagem dos imigrantes que povoaram o sul do Brasil.
O plano consistia em empanturrar-me de funghi porcini no restaurante Primo Camilo, em Garibaldi, na Serra Gaúcha. Esta é a temporada dos cogumelos, quando o dono do lugar se enfia no mato com uma faquinha e um cesto.
Se planos fossem feitos de granito, era de lá que eu escreveria este texto. Ou de algum lugar em Porto Alegre, ilhado pelas águas do dilúvio, impossibilitado de seguir viagem.
Mas planos são feitos de argila, podem ser modelados, remodelados e se dissolvem na água. O meu plano virou lama por ora, e eu não tenho o menor direito de reclamar disso.
Dói ver a catástrofe numa terra onde a vida gira em torno da mesa, da comida e da bebida.
É a terra do galeto, da polenta, do salame colonial. Do tortei, massa recheada de abóbora, que em italiano normal seria chamada de tortelli –os “gringos” da serra gaúcha têm um dialeto próprio chamado talian, variante da língua vêneta.
E dá-lhe vinho. Parece que os estragos nos parreirais são enormes, mas certamente há preocupações mais urgentes agora.
É a terra da salada de radicci, uma verdura amarga parente da escarola e do almeirão, se não for outro nome para uma delas. Não sou bom na taxinomia das saladas.
A terra da sopa de capelete, um dos meus pratos favoritos na vida.
Todas essas comidas vêm uma atrás da outra, num banquete de horas. Eu recomendo muito o da Osteria della Colombina, também em Garibaldi, mas toda a região é cheia de bons lugares ara se entupir de comida colonial.
Na terça-feira (30/4), quando a tragédia era só uma ameaça, escrevi para o Primo Camilo. Queria me certificar de que haveria porcini no fim de semana.
“Com certeza!!!”, respondeu o Jessé, que cuida das redes sociais do restaurante. E ainda brincou com a situação molhada: “A colheita sob esse temporal só deixa tudo mais saboroso”.
Santa ingenuidade.
Eu cancelei minha viagem e o restaurante precisou permanecer fechado, como quase todo o comércio das regiões afetadas pelas tempestades. Mas os funghi porcini não me escapam.
Cogumelos brotam em profusão assim que a chuva cessa e o sol aquece a paisagem encharcada.
É provável que a reconstrução ainda esteja no começo quando acabar a temporada dos porcini. Eu não tenho pressa. Volto em outro ano, mas volto.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
[ad_2]
Fonte: Folha de São Paulo