[ad_1]
“Quando eu falo em público, não sei quem sofre mais, eu ou o público”, brinca Luis Fernando Verissimo numa das cenas do novo documentário sobre ele no É Tudo Verdade.
Dá para ver que a declaração é sincera. É como se Deus tivesse despejado tanto, mas tanto carisma na maneira como o cronista se expressa no papel que sobrou só um pouquinho dessa mesma desenvoltura para o trato ao vivo.
Deixemos claro desde já: estamos falando de um dos maiores autores brasileiros vivos, raro artífice de um estilo próprio de humor, raro comediante que brilha ao falar de coisa séria, raríssimo escritor ainda hoje adulado e festejado enquanto anda pelas ruas.
Mas como o filme “Verissimo” permite entrever, Verissimo é um péssimo entrevistado. Dá respostas óbvias, recorre a clichês, volta e meia se repete. Faz tudo o que não faz no papel. Conte só quantas vezes ele faz a brincadeira “a gente se distrai e quando vê, está fazendo 80 anos” ao longo dos 90 minutos de filme. Quatro.
Um documentário erigido em torno do campeão gaúcho da introspecção é um desafio e tanto —contornado com habilidade pelo diretor Angelo Defanti. Principalmente ao reconhecer que a timidez não é problema, mas traço de um personagem curiosíssimo, dono de uma voz destacada que, por milagre ou maldição, só se manifesta por escrito.
Há uma cena de gargalhar, por exemplo, quando o cronista está vendo um jogo de futebol na sala de sua casa e o Inter, seu time do coração, marca enfim um suado ponto no adversário. E a reação de Verissimo vem em decimais de decibéis: “gol”.
Lucia, sua companheira de língua mais solta, trata de equilibrar a dinâmica familiar que domina o longa tão afável —e diz que gosta de ouvir o marido falar em eventos porque “é aí que descobre o que ele está pensando sobre o mundo”.
Mas esta vida privada é menos comédia que poesia gentil. O filme acompanha os 15 dias que precedem o aniversário de 80 anos de Verissimo —hoje afastado da escrita devido a um AVC sofrido em 2021.
O autor está recolhido agora aos 87 anos, mas ali, naquelas imagens de 2016, podemos vê-lo sendo escalado pelos netinhos, acossado por fãs emocionados, celebrado em eventos. Dono de uma paciência extraordinária, ele pouco se exalta e nunca se mostra rabugento.
Nisso o filme encontra um equilíbrio feliz, refletido numa cena já nos primeiros minutos: enquanto a família tem um papo animado sobre política no jardim, o velho Luis Fernando está recluso no seu escritório, e a câmera captura o momento justo em que ele vira o pescoço do escuro para espiar fora da janela.
Defanti não força a mão tentando tornar seu protagonista o que ele não é —toma a sábia decisão de adaptar seu filme a ele. Não o provoca, não fala com ele, não o põe em situações constrangedoras: observa tão imóvel quanto seu personagem.
É assim que o documentário se permite bater asas: o cotidiano prosaico de um homem idoso se torna mesmerizante entre o brilho e a monotonia. A presença mais chamativa de todo o filme é o som diegético de um relógio de parede, tic, tac, tic, tac, fazendo os dias passarem sob os dedos do escritor.
Numa das frases que o tornaram mestre, Verissimo diz passar seus dias tentando se esquecer da morte. “E espero que ela faça o mesmo comigo.”
E este filme parece menos interessado em ser uma eulogia que em capturar uma vida que repousa em compasso lento, discreto, contido em tudo menos na quantidade de amor no qual Verissimo se vê inundado.
Há uma cena comovente ali, perto do fim. O escritor está parado conversando com um amigo —ou melhor, ouvindo-o falar—, em frente a um muro grafitado. Alguém diz para tirar uma foto e as pessoas vão se aproximando aos punhados, às dezenas, beira uma centena de gente sorrindo.
Verissimo fica ali, mal se mexe. O público é que vem até ele —e faz isso com todo o prazer.
[ad_2]
Fonte: Uol