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Bate na madeira. Que nenhum perrengue doméstico acometa você agora, mas vai que. Se o seu caderninho de telefones não é tão precavido quanto o meu, já lhe dou esse conselho.
Prestadores de serviço eficientes restauram minha fé no ser humano. Por isso, com a alma mais desnivelada que um contrapiso e o coração chapiscado por toda sorte de enroladores, tratei de reunir um dream team da gambiarra.
Do Cézanne das paredes ao “chocrível” eletricista ex-astro do pagode, passando por estofadores, serralheiros, “spliteiros”, pedr… “Marceneiro bom: tem?”. Opa, peraí. Desde seu Barbosa, percebo não manter qualquer bico estável com profissionais desse ramo. Talvez lhes falte o lirismo melancólico daquele homem que frequentava nossa casa, antes mesmo que eu tivesse meu próprio teto.
Imagine-o assim: a cara do marinheiro Popeye, com a boina do jogador de sinuca Rui Chapéu. Trajado numa elegância social maltrapilha, tal como um dândi dos formões e das morsas. Das plainas, goivas e brocas. Nós nunca conseguimos descobrir se possuía algum verniz, posto que era seriíssimo e falava o mínimo.
Sabíamos apenas que vinha do Norte, que seu prenome era Jessé (igual ao cantor de “Porto Solidão”) e que uma tragédia familiar o levara a beber.
Cumpridor de horários, ao fim do expediente batia ponto no bar. Já trôpego, mas sem perder a altivez chapliniana, cortava caminho de volta pela nossa rua. Era quando enfim o víamos sorrir, depositando flores em nosso portão (que ele mesmo fez). Destinavam-se à minha mãe, a única que o defendia da chacota alheia.
“Eu, hein. O que é que tem? Nunca vi marceneiro melhor!”
Anos a fio, ele reparou mesas e fez armários feito um virtuose. Tinha alma de artista e um grosso lápis vermelho atrás da orelha. Até que mamãe precisou mudar de endereço, pois não conseguia mais subir escadas. De minha parte, não resta qualquer dúvida: se tivesse pedido, seu Barbosa teria construído um elevador para ela. No dia da mudança, em vez da flor habitual, minha mãe encontrou um toco de madeira.
Lembro da lágrima que a vi enxugar. Ele havia esculpido o rosto dela. Na marcenaria, o termo “descarregar” possui sentido bem mais poético. É quando as camadas de tinta e de tempo são retiradas para que se chegue à superfície original. Mamãe, de certa forma, soube descarregar seu Barbosa. E aquela madeira era de lei.
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Fonte: Uol