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Sesquicentenário. Sempre quis escrever esta palavra, que define o 150º aniversário de alguém ou de algo. Só agora apareceu a oportunidade –um tiquinho antes do meu próprio sesquicentenário.
O Café Lamas fez 150 anos na quinta-feira (4). Situado no Flamengo, zona sul do Rio, é o restaurante mais antigo do Brasil.
E daí?
Daí que fazer 150 é uma proeza. Em 1874 o Brasil era uma monarquia escravocrata. Machado de Assis ainda lapidava a verve no segundo livro, “A Mão e a Luva” –”Memórias Póstumas de Brás Cubas” só sairia em 1881.
A Guerra do Paraguai acabara quatro anos antes, apenas. Foi a partir de 1874 que o país pôde se comunicar com a Europa por meio de um cabo telegráfico submarino.
O mundo era outro, o Brasil era outro, mas o Lamas ainda é o mesmo.
Melhor dizendo: é o mesmo e também não é. O Café Lamas original está morto e está vivo. É o restaurante de Schrödinger.
Dá para dizer que morreu, em primeiro lugar, porque o Lamas mudou de endereço. Foi escorraçado do largo do Machado pelas obras do metrô carioca em 1976. O ponto atual tem “apenas” 48 anos.
Além disso, nenhum estabelecimento mantém-se o mesmo por tanto tempo. Sempre há reformas, o cardápio muda, cozinheiros são substituídos trocentas vezes, as gerações de clientes se sucedem com demandas distintas ao longo dos anos.
O Lamas de 2024 não é igual ao Lamas de 1874. Ao mesmo tempo, perduram anacronismos que remetem às encarnações anteriores do restaurante.
Ao atravessar o corredor do Lamas, você não retrocede 150 anos. Mas certamente volta muitas décadas no passado. O lugar tem um charme decadente que compensa todos os contras dessa mesma decadência.
Em janeiro, por ocasião do aniversário de São Paulo, queixei-me de que a cidade envelhece mal demais, não titubeia antes de desfigurar espaços históricos com reformas bizarras.
O Rio é melhor nesse aspecto particular. Provavelmente por ter sido a corte imperial e a primeira capital da República, exibe mais zelo com preservação de sua memória.
O Lamas é um belo exemplo desse cuidado. Pelo menos no salão dos fundos (a entrada, renovada, tornou-se um boteco genérico e pouco auspicioso).
Lá atrás as instalações são velhas, e a luz branca muda para o aparelho tênue. Os garçons, muitos deles com a idade avançando, vestem-se e servem à moda antiga.
É o cardápio que possibilita a expedição arqueológica mais interessante. O Lamas serve comidas que saíram de moda antes mesmo da mudança de endereço.
Canja de galinha, língua com molho madeira, fígado à lisboeta, caçarolas variadas, taça de morangos com chantili, ameixa em calda de sobremesa.
Até um tempo atrás dava para pedir mingau no Lamas. Não sei se ainda dá. Ninguém atendeu o telefone, talvez algum dia alguém responda a mensagem que mandei no WhatsApp. Coisas de lugar velho. Perdão: antigo.
A última vez que comi no Lamas foi em 2019, antes da pandemia. Posso apostar que continua igualzinho.
Ou não.
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Fonte: Folha de São Paulo