[ad_1]
Num dos documentários que serão apresentados em sua homenagem no festival É Tudo Verdade, Thomaz Farkas lembra que o desejo de fazer cinema nos anos 1960 acompanhava o desejo de transformar o Brasil e testemunhar o nascimento de um país moderno.
Daí não ter sido difícil ter ao seu lado um grupo de cineastas, como Geraldo Sarno, Maurice Capovilla, Paulo Gil Soares e tantos outros que partilhavam o mesmo objetivo e seguiam os mesmos métodos. Desse encontro nasceu a hoje mitológica Caravana Farkas, que rodou por um Brasil desconhecido —entenda-se, basicamente o Nordeste— e revelou costumes, crenças e atividades que no Sudeste e no Sul por vezes era possível ouvir falar, mas raramente ver.
Mostrar o Brasil profundo, com o atraso e a riqueza que convive com esse atraso, foi a chave que criou a mitologia da Caravana, alimentado por vários lados. Essencial também foi o fato dessa série de filmes quase não ter sido vista em seu tempo. Os filmes não se prestavam a circular comercialmente. Estávamos em plena ditadura militar, e o Nordeste era uma região particularmente malvista pelos censores.
Uma tentativa de exibição na TV Cultura foi bloqueada por razões políticas —os filmes mostravam muita miséria, além de serem em preto e branco. Mesmo assim, eles se tornaram uma referência no cinema brasileiro da época. Na década de 1970, aliás, vários dos autores da Caravana contribuíram para a fama dos documentários da série “Globo-Shell Especial”, uma espécie de revolução no jornalismo da televisão brasileira.
Quanto a Farkas, antes de ser cineasta, este brasileiro nascido meio que por acaso na Hungria, em 1924, foi fotógrafo. Na verdade, cresceu entre equipamentos. Seu pai já era dono da loja Fotoptica, quando Farkas chegou definitivamente ao Brasil, por volta dos 5 anos. Mais tarde viria a herdar e expandir a empresa. Desde criança fotografava. Tornou-se um dos melhores e mais originais de sua geração.
Era capaz de captar a vibração de um estádio de futebol como o do Pacaembu lotado em dia clássico. Mas seus trabalhos também impressionam, como alguém comenta, pelos ângulos insólitos e enquadramentos assimétricos.
Esses dois registros, o dos ângulos insólitos e o Brasil popular, digamos assim, das fotos do Pacaembu, talvez resumam essas duas paixões de Farkas —a de ver um Brasil liberto do seu atraso e sua população liberta da pobreza.
O cinema, que veio um pouco mais tarde, estimulado pelas câmeras que a Fotoptica vendia, também reflete essa dupla preocupação.
Dos dois documentários que homenageiam o cineasta, o de Eduardo Escorel dá conta sobretudo de sua arte, mas também da amizade com José Medeiros, importante repórter fotográfico e, depois, diretor de fotografia mais importante ainda. Ali já é possível entrever a personalidade discretamente exuberante de Farkas, sua afetividade e humor.
Essa personalidade se mostra por inteiro no documentário de Walter Lima Junior. Ali Farkas, morando em Paraty, diz, por exemplo, que queria mesmo é ser baiano. Justamente por ser uma terra em que o afeto se sobrepõe à violência. E revela quem queria ser: Batatinha, o compositor baiano, nascido como ele em 1924.
Batatinha morreu em 1997. Thomas Farkas prosseguiu. Já aposentado das funções de professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, realizou um trabalho essencial como presidente do conselho da Cinemateca Brasileira, na ocasião em que a instituição foi absorvida pela secretaria do Audiovisual do Mininistério da Cultura. Foi o início de uma era de ouro da instituição, que terminaria apenas durante a gestão Marta Suplicy no MinC.
Farkas morreu em 2011, aos 86 anos. Desde então, ficou mais fácil notar como todas as linhas das atividades audiovisuais brasileiras confluíram em sua direção: foi autor, produtor, consumidor e batalhou pela preservação de suas imagens.
[ad_2]
Fonte: Uol