[ad_1]
“Cantos à Beira-Mar”, de Maria Firmina dos Reis, foi publicado originalmente em 1871, há 153 anos, o mesmo da morte do jovem “poeta dos escravos”, o baiano Castro Alves. Com o acréscimo agora de “Outros Poemas”, a obra amplia o universo poético da maranhense, conhecida pelo romance “Úrsula”, libelo abolicionista de 1859.
Estes poemas, ao contrário do livro de estreia de Firmina, surgem para chancelar uma autoria negra distinguida, já naquela época, como a poeta “muito conhecida pelos seus trabalhos literários que têm corrido impressos nos nossos jornais”, conforme notícia de um jornal sobre seu livro.
A romancista e a poeta em Firmina tem uma distinção forte e expressiva. Como romancista, ela se engaja nas ideias do movimento abolicionista nascente no seio de uma nação escravista e conservadora. “Úrsula”, nesse contexto, é visto como obra pioneira dentro da estética romântica —além de ter sido escrito por uma mulher negra e abarcar as observâncias dos males da escravidão brasileira.
Nesse sentido, é lícito proclamá-lo como voz contra o cativeiro, dado seu arrojo ao impor o engajamento de pessoas escravizadas na condução de suas próprias histórias, em repúdio ao sistema colonial, violento e opressor.
A narrativa proposta no romance abolicionista, corrente no século 19, não adere à lírica dos poemas de Firmina. “Cantos à Beira-Mar” é carregado de outra pegada assertiva. Como poeta, dentro da lógica intelectual e ativista, Firmina envereda pelo romantismo, onde o nativismo e o sentimento herdado da recordação, de sua herança africana, misto de banzo, saudade e perda, tem muito da subjetividade diaspórica —não a dela, seja dito, mas dos seus antepassados, os escravizados da família, seus entes mais próximos.
O conjunto de poemas, preparado após a edição de “Úrsula”, chega a nós como formulação de emoções represadas, espécie de diário íntimo, onde Firmina se confessa e proclama seu amor e sua dor, por meio de cismas e luto.
Assim diz em “Uns olhos”: “Vi uns olhos… que olhos tão belos!/ Esses olhos têm certo volver,/ Que me obrigam a profundo cismar,/ Que despertam-me um vago querer.”
O livro, nesse compasso, é patriótico e amoroso, ao mesmo tempo familiar, e se orienta pela lembrança, em parte pela memória da mãe Leonor, glorificada no poema fúnebre “Uma lágrima”, que abre o volume. “Era ela o encanto de meus dias tristes,/ Era o conforto na aflição, na dor!/ Que era ela a amiga, que valeu-me a infância,/ Que foi a guia desta vida em flor!”
Esse tempo de desilusão e nostalgia surge em outro belo poema, “Uma Tarde no Cumã” —digressão de passeios ao vilarejo e à praia por onde sua alma “expande-se” sobre “a branca areia”. Em um dos versos, canta: “Aqui se ameigam de meu peito as dores/ Menos ardente me goteja o pranto;/ Aqui, na lira maviosa e doce/ Minha alma trina melodioso canto.”
A relação com morte, incompletude e ausência é constante em todo o livro, acrescido de 35 novas composições a partir da edição original. Firmina propõe diversos marcadores sociais em sua obra —seja em prosa, seja em verso—, que incluem palavras como liberdade, amor e sonho.
Em “Cantos à Beira-Mar e Outros Poemas” preconiza-se pensadora e emotiva. Homenageia parentes e amigos, mas toca de leve a questão racial, sobretudo em “Minha Terra”, quando, falando do Maranhão, cita “a cativa”: “Princesa do oceano! A fronte alçaste/ Por tantos séculos abatida, e triste…/ Um eco aqui repercutir-se – ouviste,/ E as vis algemas sob os pés quebraste.”
Como romancista e poeta, Maria Firmina dos Reis é hoje inconteste. Como cidadã brasileira, ainda é cercada de mistérios. Agrava-se o fato de que não há imagem de seu rosto, de seu corpo negro. Seu nascimento traz outra interrogação: nasceu em 1822, como ela afirma; ou em 1825, como querem seus biógrafos?
O certo é que trazer Firmina pelos seus poemas é referendar seu legado literário e reivindicar, merecidamente, seu ingresso no cânone como a primeira escritora negra do romantismo brasileiro.
[ad_2]
Fonte: Uol